quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Intervenção do Dr. Dias Pereira - Membro do Conselho Científico da ANJUR






Estimados Membros da Comunidade Jurídica

Prometo que não serei como a Espada de um certo Rei , que ficou célebre na história por ser chata e comprida, mas que também não vou usar o método daquela tribo de Índios sul-americanos, onde quem se dirigia a uma assembleia tinha de o fazer sobre um pé, apenas, e calar-se quando tivesse de pousar o pé suspenso.

Deixem-me, por favor, esclarecer algo que já aqui fui ouvindo tudo misturado:  O trabalho  remunerado do condenado previsto no art Art 71 CP ( v. tb artº 5º, Lei Preambular ) é uma vantagem que o sistema concede em determinadas condições; já o trabalho socialmente útil  previsto no artº 90 do CP consiste numa verdadeira pena ou castigo. Ainda que no concreto e materialmente o trabalho possa ser o mesmo, a razão de ser da sua prestação é diametralmente oposta.

 Dito isto, vamos sem mais demoras ao nosso tema – os Direitos Humanos e as Medidas e Penas Alternativas às Penas Privativas da Liberdade.
  
Começando pelo princípio, há que recordar o conceito de Responsabilidade Criminal, vertido no Art 28 do Código Penal,  a qual se materializa com a obrigação de reparar o dano causado na ordem jurídica, cumprindo o infractor a medida ou a pena estabelecida. Assim sendo, ao falar deste tema, teremos sempre presente que uma medida alternativa ou uma pena alternativa continuarão sempre e só a ser a efectivação da responsabilidade criminal.

E foi em boa hora que o nosso legislador trouxe à ribalta as penas e as medidas alternativas, aconselhado por critérios de modernidade que vão pondo em causa, por esse mundo fora, um paradigma que já fez escola segundo o qual o crime apenas se combate com penas de prisão – a pura óptica retributiva da pena.

Infelizmente, o muito que teve de feliz na opção, teve de infeliz na concretização traduzida no actual  art 88º do C Penal onde penas e medidas foram tratadas em conjunto, apesar de em comum terem apenas a motivação inovadora e o termo “alternativas”.

Na verdade, face ao legislado, qualquer Juiz pode já hoje aplicar penas alternativas, embora casuística e desestruturadamente e com muita imaginação e esforço pessoal, em conjunto  ou isoladamente com as penas clássicas ( prisão e multa ). Ao invés, nenhum Procurador pode neste momento recorrer às medidas alternativas.

 Explicando:

A Acção Penal – atribuída constitucionalmente ao MP – teve até aqui  uma via formal, traduzida na tramitação processual que todos conhecemos e agora tem também uma via alternativa, que pode materializar-se na transação penal ou na suspensão provisória do processo. Ora, estando obrigado ao principio da legalidade, não pode hoje o MP por falta da regulamentação da tramitação necessária, socorrer-se destas medidas alternativas.

Então, para que todo este novo sistema funcione harmoniosamente e atinja os fins para que foi criado é necessário:
amelhorar dogmaticamente a lei substantiva ( Código Penal ), clarificando-a;
b) regular a tramitação processual e o papel do Juíz na aplicação das medidas alternativas, mas sobretudo, o desvio ao princípio da legalidade do MP na acção penal alternativa   ( Código Processo Penal );
c) regular a articulação Tribunais/Serviços Penitenciários para a execução das medidas alternativas ( Código de Execução de Penas );
d) ter, do lado da Administração Pública, um resposta preparada para as novas necessidades deste sistema;

Reunidos todos estes pressupostos, esta medida de Política Criminal que introduz as medidas e penas alternativas poderá, enfim, atingir todos os impactos positivos que dela se espera, a começar com um respeito mais efectivo pelos Direitos Humanos, por via de uma melhor adequação e proporcionalidade da resposta penal ao crime, em especial nos delinquentes jovens, primários e nas chamadas bagatelas penais e no estreitamento temporal da relação infração/pena, e acabando numa poupança de meios significativa traduzida na :

   a)    Redução significativa da pendência judicial, quer na fase de Instrução Preparatória, quer na fase de julgamento;
  b)    Libertação de meios nos Tribunais para o combate à criminalidade socialmente mais danosa;
   c)    Redução da população prisional;

Acontece que esperar pelo novo Código de Processo Penal e pelo novo Código de Execução de Penas ( onde ainda nem sequer se debate se voltaremos ao modelo de Um Tribunal de Execução de Penas ou não, e se não, se implementaremos um sistema tendencialmente jurisdicional assente na intervenção preponderante do Juíz de Execução de Penas, ou num sistema misto administrativo/jurisdicional, onde o Juiz apenas intervém  nas questões que afectem direitos, liberdades e garantias ) significa esperar por 2018, na melhor das hipótese,  até porque são textos com vactio legis não negligenciáveis.

Então, estaremos “condenados” a tal ?

Quando a Anjur esteve na 1ª Comissão do Parlamento, a propósito da revisão dos Códigos Penal, Processo Penal e de Execução de Penas, em Dezembro de 2015, logo avançamos a possibilidade de se preparar um Diploma Intercalar cujo resultado prático seria a possibilidade de aplicação imediata de todo este sistema, com a antecipação das vantagens dele decorrentes. E, instados no sentido de saber se poderíamos preparar esse diploma, respondemos afirmativamente.

Depois, em consultas mútuas com a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ), Advogados, Procuradores e os Serviços Penitenciários, a Anjur deu corpo ao projecto e no final de Janeiro de 2016 apresentou á 1ª Comissão o projecto de diploma que poderia ser de imediato aprovado.

Este diploma, possui as seguintes características:

   a)    Tem apenas 18 artigos;
  b)    Está construído em capítulos, que funcionam como um verdadeiro sistema modular, e preparados para serem revogados sempre que entre um vigor um dos novos instrumentos legais. Ou seja, o Capítulo I seria revogado com a revisão do Código Penal; o Capítulo II, com a entrada em vigor do novo CPPenal; e, o Capítulo III, com a entrada em vigor do novo CEPenas, garantindo-se assim, a todo o momento, a articulação plena e harmónica de todo o sistema;
  c)    Tem um capítulo de disposições finais e transitórias que regula a aplicação imediata aos processos pendentes;

Além disso, com esta genuína contribuição da comunidade jurídica para o sistema jurídico nacional, materializamos o ADN da ANJUR, que se constituiu e pretende ser um espaço de carácter Técnico-Científico, onde se faz o estudo do Direito através do debate e diálogo de profissionais do Direito, de todas as profissões jurídicas, tendo em vista o fim último de cooperar com a criação de Um Estado de Direito Pleno e Inclusivo.

Portanto, ao caminho já existente de esperar pelos novos Códigos, juntou-se agora este novo caminho.

Que tem ainda uma outra  vantagem única e muito especial, senão vejamos: 

normalmente, quando se legisla, espera-se que a Administração crie ou reforme as estruturas necessárias para implementar os novos modelos. Temos normalmente a lei, mas não temos resposta da Administração. Ora aqui sucede precisamente o contrário : encontrámos um SERNAP (Serviços Prisionais) reformado à luz destas novas necessidades e mais ainda, um SPAPP (Serviço de Penas Alternativas ) já aptos para as respostas necessárias da Administração. Ironicamente, já temos a resposta da Administração, mas falta-nos a lei.

Na solução natural – esperar os novos códigos – atende-se privilegiadamente à perfeição do Direito; no outro, atende-se à urgência na obtenção dos resultados possíveis e esperados para aquela medida de política criminal.

Muitas vezes, o legislador busca o Direito Perfeito enquanto a Administração está limitada e tolhida na sua acção a braços com problemas enormes. E se o Direito é, afinal, uma resposta do Estado às necessidades da sociedade, porquê atrasar a satisfação dessas necessidades em nome da utopia do Direito Perfeito?

E pronto, falou a minha costela de Administrador de Empresas, onde o custo de oportunidade e a eficácia das soluções conta sempre e conta muito.

Não vos maço mais. 

Aqui fica o Diploma Intercalar e os seus 18 artigos pronto a ser analisado, melhorado e aprovado.

Obrigado pela V. atenção.

Dias Pereira


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