Estimados
Membros da Comunidade Jurídica
Prometo que não serei como a Espada de um certo Rei , que
ficou célebre na história por ser chata e comprida, mas que também não vou usar
o método daquela tribo de Índios sul-americanos, onde quem se dirigia a uma
assembleia tinha de o fazer sobre um pé, apenas, e calar-se quando tivesse de
pousar o pé suspenso.
Deixem-me, por favor, esclarecer algo que já aqui fui
ouvindo tudo misturado: O trabalho
remunerado do condenado previsto no art Art 71 CP ( v. tb artº
5º, Lei
Preambular ) é uma vantagem que o sistema concede em determinadas
condições; já o trabalho socialmente útil
previsto no artº 90 do CP consiste numa verdadeira pena ou castigo.
Ainda que no concreto e materialmente o trabalho possa ser o mesmo, a razão de
ser da sua prestação é diametralmente oposta.
Dito isto, vamos sem mais demoras ao nosso tema – os
Direitos Humanos e as Medidas e Penas Alternativas às
Penas Privativas da Liberdade.
Começando pelo
princípio, há que recordar o conceito de
Responsabilidade Criminal, vertido no Art 28 do Código Penal, a qual se materializa com a obrigação de
reparar o dano causado na ordem jurídica, cumprindo o infractor a medida ou a
pena estabelecida. Assim sendo, ao falar deste tema, teremos sempre presente
que uma medida alternativa ou uma pena
alternativa continuarão sempre e só a ser a efectivação da responsabilidade
criminal.
E foi em boa hora que
o nosso legislador trouxe à ribalta as penas e as medidas alternativas,
aconselhado por critérios de modernidade que vão pondo em causa, por esse mundo
fora, um paradigma que já fez escola segundo o qual o crime apenas se combate
com penas de prisão – a pura óptica retributiva da pena.
Infelizmente, o muito
que teve de feliz na opção, teve de infeliz na concretização traduzida no
actual art 88º do C Penal onde penas e
medidas foram tratadas em conjunto, apesar de em comum terem apenas a motivação
inovadora e o termo “alternativas”.
Na verdade, face ao
legislado, qualquer Juiz pode já hoje
aplicar penas alternativas, embora casuística e desestruturadamente e com
muita imaginação e esforço pessoal, em conjunto
ou isoladamente com as penas clássicas ( prisão e multa ). Ao invés, nenhum Procurador pode neste momento recorrer às medidas alternativas.
Explicando:
A Acção Penal –
atribuída constitucionalmente ao MP – teve até aqui uma via formal, traduzida na tramitação
processual que todos conhecemos e agora tem também uma via alternativa, que
pode materializar-se na transação penal ou na suspensão provisória do processo.
Ora, estando obrigado ao principio da legalidade, não pode hoje o MP por falta
da regulamentação da tramitação necessária, socorrer-se destas medidas
alternativas.
Então, para que todo
este novo sistema funcione harmoniosamente e atinja os fins para que foi criado
é necessário:
a) melhorar dogmaticamente a lei
substantiva ( Código Penal ), clarificando-a;
b) regular a tramitação
processual e o papel do Juíz na aplicação das medidas alternativas, mas sobretudo, o desvio ao princípio da legalidade do MP na acção penal alternativa ( Código Processo Penal );
c) regular a articulação
Tribunais/Serviços Penitenciários para a execução das medidas alternativas (
Código de Execução de Penas );
d) ter, do lado da
Administração Pública, um resposta preparada para as novas necessidades deste
sistema;
Reunidos todos estes
pressupostos, esta medida de Política
Criminal que introduz as medidas e penas alternativas poderá, enfim, atingir todos os impactos positivos que dela se espera,
a começar com um respeito mais efectivo pelos Direitos Humanos, por via de uma
melhor adequação e proporcionalidade da resposta penal ao crime, em especial
nos delinquentes jovens, primários e nas chamadas bagatelas penais e no estreitamento temporal da relação
infração/pena, e acabando numa poupança de meios significativa traduzida na
:
a)
Redução significativa da
pendência judicial, quer na fase de Instrução Preparatória, quer na fase de
julgamento;
b)
Libertação de meios nos
Tribunais para o combate à criminalidade socialmente mais danosa;
c) Redução
da população prisional;
Acontece que esperar
pelo novo Código de Processo Penal e pelo novo Código de Execução de Penas (
onde ainda nem sequer se debate se voltaremos ao modelo de Um Tribunal de
Execução de Penas ou não, e se não, se implementaremos um sistema
tendencialmente jurisdicional assente na intervenção preponderante do Juíz de
Execução de Penas, ou num sistema misto administrativo/jurisdicional, onde o
Juiz apenas intervém nas questões que
afectem direitos, liberdades e garantias ) significa esperar por 2018, na
melhor das hipótese, até porque são
textos com vactio legis não
negligenciáveis.
Então, estaremos “condenados”
a tal ?
Quando a Anjur esteve
na 1ª Comissão do Parlamento, a propósito da revisão dos Códigos Penal,
Processo Penal e de Execução de Penas, em Dezembro de 2015, logo avançamos a possibilidade de se preparar um Diploma
Intercalar cujo resultado prático seria a possibilidade de aplicação
imediata de todo este sistema, com a antecipação das vantagens dele
decorrentes. E, instados no sentido de
saber se poderíamos preparar esse diploma, respondemos afirmativamente.
Depois, em consultas
mútuas com a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ), Advogados, Procuradores e
os Serviços Penitenciários, a Anjur deu corpo ao projecto e no final de Janeiro de 2016 apresentou á 1ª
Comissão o projecto de diploma que poderia ser de imediato aprovado.
Este diploma, possui
as seguintes características:
a)
Tem apenas 18 artigos;
b)
Está construído em
capítulos, que funcionam como um verdadeiro sistema modular, e preparados para
serem revogados sempre que entre um vigor um dos novos instrumentos legais. Ou
seja, o Capítulo I seria revogado com a revisão do Código Penal; o Capítulo II,
com a entrada em vigor do novo CPPenal; e, o Capítulo III, com a entrada em
vigor do novo CEPenas, garantindo-se assim, a todo o momento, a articulação
plena e harmónica de todo o sistema;
c)
Tem um capítulo de
disposições finais e transitórias que regula a aplicação imediata aos processos
pendentes;
Além disso, com esta genuína contribuição da comunidade
jurídica para o sistema jurídico nacional, materializamos o ADN da ANJUR, que se constituiu e
pretende ser um espaço de carácter Técnico-Científico,
onde se faz o estudo do Direito através do debate e diálogo de profissionais do
Direito, de todas as profissões jurídicas, tendo em vista o fim último de
cooperar com a criação de Um Estado de Direito Pleno e Inclusivo.
Portanto, ao caminho
já existente de esperar pelos novos Códigos, juntou-se agora este novo caminho.
Que tem ainda uma outra vantagem única e muito especial, senão
vejamos:
normalmente, quando se legisla, espera-se que a Administração crie ou
reforme as estruturas necessárias para implementar os novos modelos. Temos normalmente a lei, mas não temos
resposta da Administração. Ora aqui sucede precisamente o contrário :
encontrámos um SERNAP (Serviços Prisionais) reformado à luz destas novas
necessidades e mais ainda, um SPAPP (Serviço de Penas Alternativas ) já aptos
para as respostas necessárias da Administração. Ironicamente, já temos a resposta da Administração, mas falta-nos a lei.
Na solução natural – esperar
os novos códigos – atende-se privilegiadamente à perfeição do Direito; no
outro, atende-se à urgência na obtenção dos resultados possíveis e esperados
para aquela medida de política criminal.
Muitas vezes, o
legislador busca o Direito Perfeito enquanto a Administração está limitada e
tolhida na sua acção a braços com problemas enormes. E se o Direito é, afinal,
uma resposta do Estado às necessidades da sociedade, porquê atrasar a
satisfação dessas necessidades em nome da utopia do Direito Perfeito?
E pronto, falou a
minha costela de Administrador de
Empresas, onde o custo de oportunidade e a eficácia das soluções conta sempre e
conta muito.
Não vos maço mais.
Aqui
fica o Diploma Intercalar e os seus 18 artigos pronto a ser analisado,
melhorado e aprovado.
Obrigado pela V.
atenção.
Dias Pereira
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