Contrato de trabalho
- Aspectos Práticos -
Da admissibilidade da cláusula de não concorrência do trabalhador a produzir efeitos após a cessação do contrato
de trabalho
1. Enquadramento
A questão é muito simples de
enunciar: como forma de reacção à crescente mobilidade dos trabalhadores
inter-empresas, muitos empregadores optam por fazer constar nos contratos
individuais de trabalho ( CIT ) cláusulas de não concorrência cuja aplicação
acontece após a cessação do contrato, em determinadas condições e casos. O
expediente é particularmente usado em profissões de topo, ou com um pendor
fortemente especializado.
Recentemente, deparámo-nos com um
caso concreto em que um determinado contrato de trabalho continha a seguinte
cláusula : “ Caso o Trabalhador denuncie
este contrato durante o período de vigência sem justa causa, obriga-se desde já
a não se vincular a qualquer empresa cuja actividade seja concorrencial à do
Empregador, por um período de um ano, sob pena de pagar uma indemnização no
valor de 15 salários líquidos “(sic).
Ora, o CIT viria mesmo a cessar e
a questão acabou discutida em Tribunal, onde o Mº Juíz declarou nula a
cláusula, com este raciocínio: “ A
denúncia do contrato de trabalho, feita com observância das formalidades
legais, não confere nenhum direito de indemnização à entidade empregadora. E
nos casos em que confere, nomeadamente quando não tenham sido observadas as
formalidades, a indemnização é que está
fixada no nº 2 do art 129 da LT. Tal
Cláusula, ao fixar o dever de indemnizar o empregador em caso de
denuncia do contrato de trabalho, tendo a denuncia obedecido a todas as
formalidades, é nula, por contrariar, nos termos do nº1 do art 251 da LT, o
regime estabelecido nos nºs 1 e 2 do art
129 da LT, que não pode ser afastado pela vontade das partes. “ (sic).
2. Sequência de exposição : (i) a natureza
imperativa do art 129 da LT; (ii) o conteúdo e alcance do art 129 da LT ; (iii)
a admissibilidade desta cláusula no Direito de trabalho (DT); (iv) condições ;
(v) intervenção legislativa.
São pois estes o pontos que
nos propomos tratar . Vamos a eles:
i. As normas de
DT têm carácter imperativo
perceptivo, ou seja, não podem ser afastadas por simples vontade das partes.
Mas os Instrumentos de Regulamentação de trabalho, ou o contrato individual de
trabalho, podem estatuir conteúdos mais favoráveis para o trabalhador. Daqui
resulta o carácter tendencialmente inderrogável das normas de DT, por simples
vontade das partes. E o art 129 da LT não constitui excepção a esta regra ;
ii. Mas, o art 129 da LT exclui liminarmente a
possibilidade de existir uma cláusula de não concorrência ? Desde logo, o art
129 ( que nos dispensamos de reproduzir aqui )
regula prazos de produção de efeitos da cessação do CIT. E, depois, fixa
indemnizações por violação desses prazos, as quais são indexadas justamente a
esses períodos de pré-aviso ( v. em particular o nº 5 ).
Portanto, inferir do art 129 uma proibição de qualquer
outra fonte de responsabilidade é uma conclusão que o nº 2 do art 9 do C.Civil
não permite, pois isso seria admitir um pensamento legislativo que não tem na
letra da lei um mínimo de correspondência verbal
Por outro lado, não se diga que o CIT não pode ser
fonte de direito, salvo quando preveja conteúdo mais favoráve: efectivamente,
não estamos em presença de um conflito entre a Lei e o CIT, mas sim perante uma
lacuna, a integrar nos termos do art 10 do C.Civil.
iii. Como integrar então esta lacuna traduzida na
ausência de disposição legal que admita, proíba, ou limite a estipulação de uma
cláusula de não concorrência ? Na falta de caso análogo ( nº s 1 e 2 do art 10º do CCivil ), teremos
de resolver a situação segundo a norma que o interprete criaria, se houvesse de
legislar dentro do espírito do sistema ( nº 3 do art 10 do CCivil ).
Ora e desde logo, no sistema jurídico vigora o
princípio da liberdade contratual (
art 405 do CCivil ) pelo qual as partes são livres de incluir nos contratos as
cáausulas que lhes aprouver. Articular este postulado com o DT é simples: ele
vigora também no âmbito do DT, com a particularidade de que em algumas ( muitas ) matérias o legislador
impõe conteúdos mínimos às estipulações. Mas, dessa peculiaridade do DT não
resulta a inadmissibilidade de tudo o que a lei de trabalho não prevê, pois o
próprio DT integra-se no sistema jurídico, visto este como um todo, e não
constitui um corpo fechado de normas que não se relacionam com as demais normas do sistema jurídico.
Poderia ainda dizer-se que no DT o CIT não é fonte de
direito, por não constar da enumeração existente no artº 13 da LT, à semelhança
do que sucede com os códigos de boa conduta e regulamentos internos ( art 14º),
onde o legislador foi mais longe e declarou isso mesmo. E assim parece
efectivamente ser; mas, ao admitir como
fonte de direito os usos laborais de cada profissão, sector de actividade ou
empresa, desde que não sejam contrários à lei e ao principio da boa fé, o
legislador “meteu pela janela o que não
deixou entrar pela porta”, como soi dizer-se.
Ora, cláusulas de não concorrência são práticas
habituais de muitos empregos e empresas, em particular em relações laborais de
maior responsabilidade e como tal têm de ser entendidas como admissíveis no
DT. Neste caso, com a particularidade de que o seu conteúdo e alcance são fixados no contrato de trabalho, o qual acaba
por funcionar como medida da responsabilidade, apenas e só, e não como fonte
dela.
iv. Como se concluiu, a cláusula de não concorrência
constituirá um afloramento do princípio da liberdade contratual existente no
sistema jurídico, admissível em DT, pela via dos usos e costumes, mas, na
relação individual de trabalho, estará limitada por uma lado, pela lei e por
outro lado, pelo princípio da boa fé.
Então, a cláusula que suscitou esta análise, parece,
desde logo, abusiva e desproporcionada, e como tal, e só por isso, deveria ser
declarada nula (como fez o Mº Juiz ainda que por ínvios caminhos ). Repare-se
que se estipula “uma vinculação a uma
empresa que exerça uma actividade concorrencial ao empregador”, o que
significa uma verdadeira e inadmissível renúncia ao exercício da profissão do
trabalhador. E, por outro lado, uma desproporção, pois a cláusula penal equivale a 15 salários
líquidos. Ou seja, o trabalhador, por força desta cláusula, assumiria a
impossibilidade de exercer a sua profissão e aceitava uma penalização
totalmente desproporcionada, sem nada
receber em troca.
Quer isto dizer que, a cláusula de não concorrência
terá de ter uma previsão normativa mais restritiva (que não coloque o
trabalhador perante a impossibilidade de exercer a sua profissão ) e por outro
lado, a penalidade tem de ser proporcional ao ganho que o trabalhador terá, por
violar a cláusula, se assim o entender.
Outros sistemas legais, por exemplo, admitem
expressamente este tipo de cláusulas, desde que o empregador compense o
trabalhador durante o período da sua aplicação, com uma parcela percentual daquela que era
a sua remuneração
O que não faz, de todo, sentido, é aceitar uma
vinculação, a este título, a uma situação em que o trabalhador, sem qualquer
contrapartida pecuniária, se auto-limite
a exercer a sua profissão, o que
seria sempre inadmissível, e subsumível ao disposto no art 280, nº 2 do CCivil.
E, na falta de disposição legal, diríamos que a cláusula de não concorrência é admissível no DT, desde
que dela não resulte a inibição do exercício da profissão do trabalhador; e por
outro lado, a mesma terá de ser proporcionada, no sentido que a existência de
obrigações, após a vigência do contrato, seja de alguma forma compensada.
E, na falta de outros parâmetros legais mais
concretos, a validade de tal cláusula tem de ser vista caso a caso, em
substância, e tendo em conta os seus contornos precisos.
v. Quer isto dizer, que o legislador pode ( ou deve
) intervir aqui, estatuindo a admissibilidade deste tipo de cláusulas, os seus
limites materiais e, sobretudo, as contrapartidas mínimas que justifiquem e
tornem aceitável, à luz da boa fé contratual, da ordem pública e dos bons
costumes, a existência de obrigações entre trabalhador e empregador após a
vigência de uma relação jurídico-laboral. Ou, pelo contrário, proibindo-as, de
todo, no exercício do seu jus imperi,
de acordo com os valores que julgue ser de salvaguardar. As situações que
são deixadas apenas ao escrutínio da doutrina, e depois, à jurisprudência, podem encontrar respostas díspares, pondo em
causa um dos valores fundamentais do Direito: a certeza e segurança jurídica.
Este é, s. m. o., o meu parecer.
por
José Miguel Dias Pereira
Jurista
Sem comentários:
Enviar um comentário