A objecção de consciência é um tema importante e polémico, nas várias situações
em que se manifesta. De facto, pode-se dizer que a objecção de consciência
constitui um verdadeiro barómetro do grau de consciência social, uma vez que
permite averiguar o grau de liberdade de que gozam os cidadãos pertencentes a
uma determinada comunidade política.[1]
O direito à objecção de consciência é definido como uma
posição subjectiva, protegida constitucionalmente, que se traduz no não
cumprimento de obrigações e no não praticar de actos previstos legalmente, em
virtude de as próprias convicções do sujeito o impedirem de as cumprir, sendo
que estes incumprimentos estão isentos de quaisquer sanções.[2] Assim,
a recusa por parte de um cidadão em praticar actos, atitudes ou comportamentos
contrários a sua consciência ou as suas mais profundas convicções, podem ser
por motivos de índole religiosa, moral, ética ou filosófica. Também, podem-se
incluir motivos de índole política e humanitária. São alguns exemplos de
manifestação da objecção de consciência, a recusa de um cidadão em prestar
serviço militar, a recusa de um estudante em saudar a bandeira ou entoar o hino
nacional, a recusa por parte de um paciente em receber transfusões de sangue, ou
a objecção de um médico em efectuar um aborto, etc.
No entanto, segundo alguns
autores, a complexidade do instituto da objecção de consciência torna difícil
encontrar um conceito restrito e apto a englobar todas as situações em que a
mesma se manifesta, o que torna necessário que tal conceito seja dotado de
enorme elasticidade. Assim, face a esta enorme diversidade de factores que
tornam difícil traçar uma definição precisa e rigorosa da objecção de
consciência, optou-se por apontar os requisitos característicos, constitutivos
da objecção de consciência, que consistem essencialmente no seguinte[3]:
a)
Deve traduzir-se na recusa de obediência a uma norma
jurídica ou na submissão a uma directriz de uma autoridade pública, ou ainda na
rejeição de uma proposta ou comportamento imposto.
b)
A recusa ou rejeição deve fundamentar-se em motivos ou
razões invocadas pelo foro íntimo do objector.
c)
A não-violência deve constituir o método de actuação na
manifestação da objecção de consciência.
Portanto, são as características acima mencionadas que
permitem distinguir a objecção de consciência de outras figuras relacionadas, tais
como o direito de resistência, desobediência civil, não-violência e a liberdade
religiosa[4].
Todavia, deve-se ter o cuidado para não
se confundir o instituto da objecção de consciência com a liberdade de
consciência, pois, apesar de o primeiro ser corolário do último, não são
necessariamente a mesma coisa. Em nosso entender, a liberdade de consciência é
um conceito abrangente e é sinónimo da liberdade de pensamento, de crença e de
religião. Assim, enquanto a liberdade de consciência, é inalienável, essencial
e inerente a dignidade humana[5], a
objecção de consciência é a manifestação efectiva da liberdade de consciência,
ou seja, a objecção de consciência resulta da liberdade de consciência[6]. Ademais,
a invocação da objecção de consciência está condicionada pela sua consagração
constitucional ou infraconstitucional, uma vez que o objector carece de
reconhecimento do seu estatuto pelo Estado. Por outro lado, a liberdade de
consciência não necessita de ser positivada e muito menos de ser reconhecida
pelo Estado.
Entende-se que o direito
à objecção de consciência tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a
dignidade da consciência de cada um. Aliás este fundamento está em consonância
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (“DUDH”) que, no seu preâmbulo
destaca o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis como constituindo o fundamento
da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Além disso, a DUDH estabelece no seu
artigo 1.º, que todos os seres humanos nascem iguais e livres em dignidade e em
direitos e que os mesmos são dotados de razão e de consciência.
Felizmente o direito à objecção de consciência vem consagrado na Constituição
da República de Moçambique. Este facto torna a nossa constituição progressista na
questão dos direitos fundamentais. Entretanto, falaremos da objecção de
consciência em Moçambique em artigos futuros. Por ora, ficam algumas notas
sobre o direito à objecção de consciência – um direito fundamental por
excelência!
Augusto Chivangue
Advogado
[1] Damasceno
Correia, António, O Direito à Objecção de
Consciência, Vega, Lisboa,1993, p. 13.
[2] Coutinho, Francisco Pereira, Sentido
e Limites do Direito Fundamental a Objecção de Consciência, Working Paper n.º 6-2001, Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, pág. 2, disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf. Acedido em 20 de Outubro de 2016.
[3]
Damasceno Correia, António, op.cit., pág. 18. No mesmo sentido,
vide Coutinho, Fernando Pereira, op.cit, pág. 10.
[4] Mais
desenvolvimentos sobre distinção de figuras afins do direito a objecção de
consciência, vide Damasceno Correia, António, op.cit., p. 23-29.
[5] Achamos
que o facto de a DUDH só consagrar a liberdade de consciência e não a objecção
de consciência vem enfatizar a questão da inalienabilidade da dignidade humana.
Por outro lado, ao interpretar o artigo 18.º da DUDH, o Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, vai no sentido de os
Estados materializarem a liberdade de consciência por consagrarem o direito à
objecção de consciência nas suas respectivas constituições – Relatório do
Escritório do Alto Comissariado, com referência nº A/52/477, paras. 77-78,
diponivel em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/276/81/PDF/N9727681.pdf?OpenElement. Acedido em 20 de Outubro
de 2016.
[6] Sobre esta
questão, a Comissão dos Assuntos Sociais, do Género e Ambientais da Assembleia
da República, no seu Parecer n.° 02/09, de 25 de Fevereiro, pronunciou-se nos
seguintes termos: “A liberdade de
consciência constitui o núcleo de partida para a fundamentação da objecção de
consciência”.
Obrigada Dr. Augusto Chivangue!! Parabéns pelo excelente trabalho e por o ter partilhado com a sua ANJUR que com todo o gosto agora o publica. Sera seguramente fonte de inspiração e de motivação para que outros Ilustres Colegas e Associados lhe sigam o exemplo! Continue.. ficamos a aguardar mais publicações.
ResponderEliminarUm tema muito relevante para a nossa sociedade uma vez que não se fala muito em objecção de consciência. Parabéns e obrigada por despertar a curiosidade em aprofundar este tema bastante pertinente.
ResponderEliminarUm tema muito relevante para a nossa sociedade uma vez que não se fala muito em objecção de consciência. Parabéns e obrigada por despertar a curiosidade em aprofundar este tema bastante pertinente.
ResponderEliminarTeremos em breve uma sequência deste tema pelo mesmo Autor e nosso Associado Dr. Augusto Chivangue - Advogado. Fiquem atentos.
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