sexta-feira, 21 de outubro de 2016


 O DIREITO FUNDAMENTAL À OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA

A objecção de consciência é um tema importante e polémico, nas várias situações em que se manifesta. De facto, pode-se dizer que a objecção de consciência constitui um verdadeiro barómetro do grau de consciência social, uma vez que permite averiguar o grau de liberdade de que gozam os cidadãos pertencentes a uma determinada comunidade política.[1]

O direito à objecção de consciência é definido como uma posição subjectiva, protegida constitucionalmente, que se traduz no não cumprimento de obrigações e no não praticar de actos previstos legalmente, em virtude de as próprias convicções do sujeito o impedirem de as cumprir, sendo que estes incumprimentos estão isentos de quaisquer sanções.[2] Assim, a recusa por parte de um cidadão em praticar actos, atitudes ou comportamentos contrários a sua consciência ou as suas mais profundas convicções, podem ser por motivos de índole religiosa, moral, ética ou filosófica. Também, podem-se incluir motivos de índole política e humanitária. São alguns exemplos de manifestação da objecção de consciência, a recusa de um cidadão em prestar serviço militar, a recusa de um estudante em saudar a bandeira ou entoar o hino nacional, a recusa por parte de um paciente em receber transfusões de sangue, ou a objecção de um médico em efectuar um aborto, etc.

No entanto, segundo alguns autores, a complexidade do instituto da objecção de consciência torna difícil encontrar um conceito restrito e apto a englobar todas as situações em que a mesma se manifesta, o que torna necessário que tal conceito seja dotado de enorme elasticidade. Assim, face a esta enorme diversidade de factores que tornam difícil traçar uma definição precisa e rigorosa da objecção de consciência, optou-se por apontar os requisitos característicos, constitutivos da objecção de consciência, que consistem essencialmente no seguinte[3]:  

a)      Deve traduzir-se na recusa de obediência a uma norma jurídica ou na submissão a uma directriz de uma autoridade pública, ou ainda na rejeição de uma proposta ou comportamento imposto.

b)      A recusa ou rejeição deve fundamentar-se em motivos ou razões invocadas pelo foro íntimo do objector.

c)      A não-violência deve constituir o método de actuação na manifestação da objecção de consciência.

Portanto, são as características acima mencionadas que permitem distinguir a objecção de consciência de outras figuras relacionadas, tais como o direito de resistência, desobediência civil, não-violência e a liberdade religiosa[4].

Todavia, deve-se ter o cuidado para não se confundir o instituto da objecção de consciência com a liberdade de consciência, pois, apesar de o primeiro ser corolário do último, não são necessariamente a mesma coisa. Em nosso entender, a liberdade de consciência é um conceito abrangente e é sinónimo da liberdade de pensamento, de crença e de religião. Assim, enquanto a liberdade de consciência, é inalienável, essencial e inerente a dignidade humana[5], a objecção de consciência é a manifestação efectiva da liberdade de consciência, ou seja, a objecção de consciência resulta da liberdade de consciência[6]. Ademais, a invocação da objecção de consciência está condicionada pela sua consagração constitucional ou infraconstitucional, uma vez que o objector carece de reconhecimento do seu estatuto pelo Estado. Por outro lado, a liberdade de consciência não necessita de ser positivada e muito menos de ser reconhecida pelo Estado.

Entende-se que o direito à objecção de consciência tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a dignidade da consciência de cada um. Aliás este fundamento está em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (“DUDH”) que, no seu preâmbulo destaca o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis como constituindo o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Além disso, a DUDH estabelece no seu artigo 1.º, que todos os seres humanos nascem iguais e livres em dignidade e em direitos e que os mesmos são dotados de razão e de consciência.

Felizmente o direito à objecção de consciência vem consagrado na Constituição da República de Moçambique. Este facto torna a nossa constituição progressista na questão dos direitos fundamentais. Entretanto, falaremos da objecção de consciência em Moçambique em artigos futuros. Por ora, ficam algumas notas sobre o direito à objecção de consciência – um direito fundamental por excelência!

Augusto Chivangue
Advogado



[1] Damasceno Correia, António, O Direito à Objecção de Consciência, Vega, Lisboa,1993, p. 13.
[2] Coutinho, Francisco Pereira, Sentido e Limites do Direito Fundamental a Objecção de Consciência, Working Paper n.º 6-2001, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, pág. 2, disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf. Acedido em 20 de Outubro de 2016.
[3]  Damasceno Correia, António, op.cit., pág. 18. No mesmo sentido, vide Coutinho, Fernando Pereira, op.cit, pág. 10.
[4] Mais desenvolvimentos sobre distinção de figuras afins do direito a objecção de consciência, vide Damasceno Correia, António, op.cit., p. 23-29.
[5] Achamos que o facto de a DUDH só consagrar a liberdade de consciência e não a objecção de consciência vem enfatizar a questão da inalienabilidade da dignidade humana. Por outro lado, ao interpretar o artigo 18.º da DUDH, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, vai no sentido de os Estados materializarem a liberdade de consciência por consagrarem o direito à objecção de consciência nas suas respectivas constituições – Relatório do Escritório do Alto Comissariado, com referência nº A/52/477, paras. 77-78, diponivel em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/276/81/PDF/N9727681.pdf?OpenElement. Acedido em 20 de Outubro de 2016.
[6] Sobre esta questão, a Comissão dos Assuntos Sociais, do Género e Ambientais da Assembleia da República, no seu Parecer n.° 02/09, de 25 de Fevereiro, pronunciou-se nos seguintes termos: “A liberdade de consciência constitui o núcleo de partida para a fundamentação da objecção de consciência”.

4 comentários:

  1. Obrigada Dr. Augusto Chivangue!! Parabéns pelo excelente trabalho e por o ter partilhado com a sua ANJUR que com todo o gosto agora o publica. Sera seguramente fonte de inspiração e de motivação para que outros Ilustres Colegas e Associados lhe sigam o exemplo! Continue.. ficamos a aguardar mais publicações.

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  2. Um tema muito relevante para a nossa sociedade uma vez que não se fala muito em objecção de consciência. Parabéns e obrigada por despertar a curiosidade em aprofundar este tema bastante pertinente.

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  3. Um tema muito relevante para a nossa sociedade uma vez que não se fala muito em objecção de consciência. Parabéns e obrigada por despertar a curiosidade em aprofundar este tema bastante pertinente.

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  4. Teremos em breve uma sequência deste tema pelo mesmo Autor e nosso Associado Dr. Augusto Chivangue - Advogado. Fiquem atentos.

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