sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O DIREITO FUNDAMENTAL À OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA EM MOÇAMBIQUE



     Desde a proclamação da independência, Moçambique foi conhecendo realidades sócio-económicas e político-militares diferentes. Tal facto influenciou bastante o tratamento dispensado pelo legislador moçambicano à matéria relativa aos direitos fundamentais. No presente artigo, faremos uma análise sucinta da evolução constitucional no país, demonstrando que o direito fundamental à objecção de consciência nem sempre foi uma realidade em Moçambique.

           A independência nacional foi proclamada em 25 de Junho de 1975, momento em que entrou em vigor a Constituição da República Popular de Moçambique (“Constituição de 1975”). No seu preâmbulo, a Constituição de 1975 declarou ser um Estado de Democracia Popular, tendo a Frelimo papel dirigente e orientador da política básica do Estado. De facto, tratava-se de um Estado cujo regime político era socialista e a economia era marcadamente intervencionista. O sistema político era caracterizado pela existência de um partido único e a Frelimo assumia o papel de dirigente. Eram abundantes as fórmulas ideológicas - proclamatórias e de apelo das massas, compressão acentuada das liberdades públicas em moldes autoritários[1]. Numa análise à Constituição de 1975, nota-se que a consagração dos direitos fundamentais dos cidadãos tinha em vista o seu gozo no âmbito da colectividade e de acordo com as aspirações político-revolucionárias da época. Tratava-se de uma época peculiar, que se exacerbou com a proclamação de Moçambique como um Estado de orientação marxista-leninista em 1977[2]. Note-se que no contexto dos partidos marxistas-leninistas, os direitos individuais são relegados em função dos direitos da colectividade. Assim, neste contexto, o direito à objecção de consciência - um direito de carácter marcadamente individual – dificilmente poderia ser consagrado na ordem jurídica moçambicana.  
               Entretanto, em 30 de Novembro de 1990, entrou em vigor outra Constituição (“Constituição de 1990”). Na Constituição de 1990, o catálogo dos direitos, deveres e liberdades dos cidadãos foi ampliado. No seu preâmbulo, a Constituição de 1990 destacou o seguinte: “Nós o povo moçambicano…dentro de um espírito de responsabilidade e pluralismo de opinião, decidimos organizar a sociedade de tal forma que a vontade dos cidadãos seja o valor maior da nossa soberania.” Nesta fase, podemos notar que a Constituição de 1990 consagrou as liberdades e os direitos fundamentais num âmbito individual, ou seja, os direitos individuais passaram a ter maior relevância. Esta percepção é reforçada pelo facto de a Constituição de 1990 ter estabelecido, no seu artigo 1.º, que Moçambique passava a ser um Estado Democrático e de Justiça Social. Também, nas alíneas d) e e), do artigo 6.º, a Constituição de 1990 determinou que, a defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei, o reforço da democracia, liberdade e da estabilidade social e individual constituíam, dentre outros, objectivos fundamentais da República de Moçambique.   
              No entanto, ao fazermos uma análise mais atenta aos direitos fundamentais consagrados na Constituição de 1990, não vemos nenhuma alusão expressa ao direito à objecção de consciência. Portanto, apesar da ampliação do catálogo dos direitos fundamentais no âmbito da Constituição de 1990, o direito à objecção de consciência ainda não era uma realidade em Moçambique, não obstante as revisões pontuais a que a mesma foi sujeita em 1992, 1996 e 1998[3].
         Todavia, é no âmbito da Constituição da República, actualmente em vigor, aprovada por aclamação pela Assembleia da República, em 16 de Novembro de 2004 (“Constituição de 2004”), que vamos notar avanços significativos nesta matéria. Alguns anos após a entrada em vigor da Constituição de 1990, viu-se a necessidade de se fazer uma revisão global da mesma, tendo em vista conforma-la com a dinâmica e evolução política e socioeconómica do país[4]. Para tal foi criada uma Comissão Ad-hoc, através da Resolução n.º 25/95, de 13 de Outubro. Durante os trabalhos preparatórios desenvolvidos no âmbito do processo de revisão, surgiram algumas questões que não colheram consenso, sendo uma delas a que se referia a consagração constitucional do direito à objecção de consciência[5]. Entretanto, apesar de ter havido correntes discordantes, o direito à objecção de consciência acabou sendo incluído no texto constitucional. Esta é deveras uma das grandes inovações, uma vez que, de forma expressa, confere aos cidadãos a faculdade de invocar um direito fundamental essencial para a protecção das suas convicções e consciência. Na verdade, conforme vem disposto no seu Preâmbulo, a Constituição de 2004 ...reafirma, desenvolve e aprofunda os princípios fundamentais do Estado moçambicano, baseado no pluralismo de expressão, organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos”. – O sublinhado é nosso.
          Portanto, no âmbito da evolução constitucional em Moçambique, é finalmente no n.º 5, do artigo 54.º, da Constituição de 2004, que o direito fundamental à objecção de consciência tornou-se uma realidade em Moçambique.
          Porém, apesar de o direito à objecção de consciência estar constitucionalmente consagrado, ainda se coloca a questão da sua exequibilidade. Note-se que o n.º 5, do artigo 54.º, da Constituição de 2004, estabelece que “É garantido o direito à objecção de consciência nos termos da lei.” – O sublinhado é nosso. Deste preceito constitucional, extrai-se que a objecção de consciência é um direito sob reserva de lei. Infelizmente, no caso de Moçambique, esta matéria não é abordada na legislação ordinária. Estamos assim, perante um vazio legal, que pode conduzir à incerteza jurídica nos casos em que os cidadãos pretendam fazer valer este direito[6].
          De modo que, levantam-se algumas questões: Que procedimentos deverão ser seguidos caso um cidadão invoque o direito à objecção de consciência? Será que o reconhecimento do estatuto de objector de consciência seguirá o regime judicial ou poderá ser feito através de um procedimento administrativo? Caso se opte pelo procedimento administrativo, que órgãos da Administração Pública deverão conhecer dos casos de reconhecimento do estatuto de objector de consciência? Ora, as questões aqui levantadas não encontram resposta pelo facto de não existir um instrumento legal relativo a esta matéria, tornando o n.º 5, do artigo 54.º, da Constituição de 2004, um preceito constitucional meramente cosmético.  
         Importa frisar que, a inexistência de leis que garantam o direito à objecção de consciência, contraria os tratados internacionais sobre direitos humanos, ratificados por Moçambique. Só para citar um exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[7], dispõe no seu preâmbulo que “o ideal do ser humano livre, usufruindo das liberdades civis e políticas e liberto do medo e da miséria, não pode ser realizado a menos que sejam criadas condições que permitam a cada um gozar dos seus direitos económicos, sociais e culturais.”
            Nesta perspectiva, defendemos veementemente a consagração dos direitos fundamentais, para o efectivo benefício dos cidadãos e não apenas para ornamentar a Constituição. Sim, torna-se relevante que o legislador moçambicano se posicione e garanta o gozo do direito à objecção de consciência. Em nossa opinião, é imprescindível a aprovação de uma Lei da Objecção de Consciência, que preveja mecanismos para o reconhecimento do estatuto do objector de consciência. Achamos que essa seria uma resposta oportuna e eficaz às questões levantadas no presente artigo e, acima de tudo, tornaria exequível o n.º 5, do artigo 54.º, da Constituição de 2004, garantindo plenamente o direito fundamental à objecção de consciência em Moçambique.

Augusto Chivangue
Advogado



[1] SAL & Caldeira Advogados e Consultores, Lda., Evolução Constitucional na República de Moçambique, pág. 1, disponível em: http://www.salcaldeira.com/index.php/pt/publicacoes/artigos?start=20, acedido em 13 de Dezembro de 2016.
[2] Serra, Carlos Manuel, Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e recuos na construção do Direito Moçambicano, Escolar Editora, Lisboa, 2014, pág. 212.
[3] Note-se que em nenhuma das referidas revisões se fez alusão a inclusão do direito à objecção de consciência no catálogo dos direitos fundamentais.
[4] Tem sido pacífica a concepção de que a Constituição de 2004, constitui uma continuação da Constituição de 1990. Na obra Evolução Constitucional da Pátria Amada, publicada pelo Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento, Maputo, Fevereiro de 2009, pág. 10, defende-se que “A passagem da Constituição de 1975 a de 1990 constitui verdadeiramente, na terminologia “Mirandiana”, uma “transição constitucional”, isto é, um processo que culmina com a emergência de uma nova Constituição (…). A reforma constitucional de 2004 tem uma natureza diferente. Ela constitui uma revisão constitucional strictu sensu no sentido de que traduz uma continuidade institucional e tem por objectivo uma “auto-renegação” do texto constitucional inicial.” – O sublinhado é nosso.
[5] Na parte referente a liberdade de consciência, o Guião de Apresentação do Anteprojecto de Revisão da Constituição, da Assembleia da República, edição de 1998, pág. 9, debruça-se nos seguintes termos (transcrição integral): “A Liberdade de consciência, de religião e de culto figura na Constituição como desenvolvimento da liberdade de praticar ou não praticar uma religião. Neste aspecto, o anteprojecto consagra o princípio da protecção aos locais de culto e o direito a objecção de consciência (artigo 53). (Há quem discorde do direito a objecção de consciência, direito que leva a substituição do cumprimento do serviço militar obrigatório por serviço cívico).”
[6] No seu relatório de pesquisa, intitulado Juventude e Serviço Militar, de Março de 2012, pág. 14, disponível em http://www.osisa.org/sites/default/files/parlamento_juvenil_-_pesquisa.pdf e acedido em 13 de Dezembro de 2016, o Parlamento Juvenil referiu-se a incerteza jurídica nesta matéria, nos seguintes termos: “Contudo, apesar do direito estar consagrado na CRM, ao contrário de muitos outros países que mantém o SMO, Moçambique não dispõe de uma entidade nacional de objecção de consciência que reconheça o estatuto de objector e conceda publicamente a isenção ao cumprimento do Serviço Militar. Este vazio, aliado aos condicionalismos da lei do Serviço Militar para o acesso aos serviços do Estado, pode propiciar a corrupção, discriminação e divisão social pois quem tem meios “compra” o adiamento/dispensa e quem não tem “cumpre”.
[7] Ratificado pela Assembleia da República, através da Resolução n.º 5/91, de 12 de Dezembro.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

À Comunidade Jurídica que participou nas III jornadas : aqui estão as questões técnicas do Tema debatido Insolvência e Recuperação de Empresas. 
Os V. contributos e respostas são bem vindos até à próxima 6º f, dia 16 para o mail anjuristas@gmail.com
 O relatório final será igualmente divulgado por esta via .


III Jornada Jurídica Anjur e VI Jornada de Direito Bancário BCI

8 de Dezembro de 2016
Maputo

Novo regime de Insolvência e de Recuperação de Empresas

Questões Técnicas

O Decreto-Lei nº 1/2013, que entrou em vigor no dia 21 de Agosto do mesmo ano foi um importante ponto de viragem na legislação existente, face à reconhecida ausência de respostas do regime até então previsto no CPCivil . À época, o PIB crescia acima de 7% e era bom o ambiente económico global, o que, junto com o relativo desconhecimento do regime, pode justificar o diminuto número de processos entrados ao abrigo da nova lei. Após o hard landing da economia em 2016, o novo regime será por certo  fortemente solicitado, importando perceber se as suas respostas continuam válidas, em particular, no que toca à Recuperação Judicial (RJ).


1.      Quem ficou de fora do novo regime ?

a)      Implicitamente *, por não reunir os requisitos previstos :

·         - O sector  informal
·         - Os actores formais com contabilidade atrasada

* Nota: o “impedimento” só funciona na posição activa, pois na posição passiva nada exclui a aplicação, embora se anteveja muitíssimo difícil cumprir as exigências processuais;

b)      Expressamente :

·         Empresas públicas e de capitais exclusivamente públicos – al. a) do nº 3 do art 2º; ( o nº 4 prevê um regime especial, até aqui não existente pois a Lei 8/2012 não contém as respostas necessárias );
·         Instituições financeiras – al b) do nº 3 do art 2º ( o regime específico já existe )


2.       O que se exige dos actores económicos ?

Contexto 

- o art 119 do Cód Comercial   impõe a adopção de medidas ao Órgão de Administração em caso de perda de metade do capital social, fazendo-os incorrerem caso de inacção  em responsabilidade civil pessoal para com os credores – artº 164, nº 1 do Cód Comercial;
- não parece existir o dever de apresentação à insolvência pois apesar de no art 102 constar “ O devedor em crise económico-financeira (…) deve requerer ao Tribunal a sua insolvência (… )”, de tal omissão não resultam consequências penais  ( cfr artºs 160 e segs do Cód Comercial, artºs 295 e segs do C. Penal, e art 167 e seguintes da Lei 1/2013 ).
- Não obstante, os actores económicos devem saber quando e como pedir a Recuperação  - judicial ou extra judicial -  e a Insolvência, mais que não seja numa óptica civil de preservação patrimonial.Esta atitude tem de ser proactiva, em vez de, como habitualmente, reactiva ( ou até inexistente ).

Recomendações 

Divulgação/informação  intensiva
apoio de um Orgão do Estado ( IPEME ? ) .



3.      Suspensão da prescrição dos direitos e suspensão das acções e execuções .

É correcta a solução do nº 1º do art 6º;
É  adequado que a suspensão das acções contra o devedor, na recuperação judicial,  só se verifique por 180 dias, improrrogáveis – nº 5 do art 6º  ?
Na insolvência, a sua declaração suspende a prescrição, a qual contudo recomeça a correr com o transito em julgado da sentença de encerramento da insolvência – art 154. É correcto ?


4.      Créditos Fiscais ( AT e INSS ) :

Vazio legal: Falta um diploma regulamentar que defina prazos, regras de parcelamento, eventuais garantias, etc. – artº 48, nº 5 al. b). Quando sai ?

Regime :
- Estes créditos são excluídos da recuperação judicial– art 48, nº 5 al. b)  - ou extra-judicial – art 159º e 161, nº 2 – e são tratados autonomamente.
- execuções fiscais  são suspensas com o despacho de admissão  recuperação judicial  – art 6º, nº 8
- após o despacho de admissão de recuperação judicial pode pedir-se o parcelamento

Problemas :

-  pedido de parcelamento aguarda uma espécie de despacho liminar do Juíz , que não tem em conta o conteúdo, validade, mérito e destino do plano do PRJ (Plano de Recuperação Judicial );
- só pode pedir-se parcelamento num contexto de PRJ ?
- a não concessão do parcelamento pode comprometer o PRJ ;


5.      Ordem da classificação dos créditos
 
A ordem estabelecida no artigo 77 é a mais adequada?
Os créditos laborais devem ter prioridade sobre os com garantias e os fiscais?
A contrário de algumas soluções no Direito comparado, o credor requerente da insolvência não tem qualquer vantagem. Não seria adequado que este obtivesse privilégio creditório especial  pelo seu crédito, ou pelo menos, por uma parte ?

6.      Regime especial para PME´s :

-  Era muito útil que existisse um regime especial para PME´s. O actual limita-se à facilitação de alguns critérios – art 50, al. f) - mas sem diferenças processuais no regime da RJ.  ( aliás, o CPC, fazia esta distinção para as falências – art 1303 e segs – embora as alterações fossem também limitadas, mas  a nível de prazos )
- criar uma divisão no IPEME para apoiar recuperações ?


7.      Administradores de Insolvência :

- Vazio legal : falta diploma legal  com o Estatuto dos AI e regime remuneratório mais claro
- Falta formação adequada



8.      Recuperação Judicial – análise swot

Concepção :  a RJ parece estar orientada para a satisfação integral dos créditos do devedor, decidida num contexto judicial, com espaço para as actuações processuais habituais num processo judicial.   Este modelo funcionará ? Privilegia de facto a Recuperação de Empresas ?


Desafios - vislumbramos os seguintes desafios :

a)      O sistema necessita de profissionais capazes de desenhar planos de recuperação          ( habitualmente, tal não está ao alcance do devedor, apesar de ser de sua responsabilidade fazê-lo – art 52 ; por outro lado, o AI  deve limita-se nestes casos  a fiscalizar a recuperação e o cumprimento do plano );

b)       Medidas de recuperação: O artº 49 deve ser havido como exemplificativo. Mesmo assim , e nem que seja a nível pedagógico, porque prevê tantas medidas e omite as mais comuns, como (i) Hair-cuts (ii) e perdão de juros ? E se nas situações de inexistência de alteração às condições originais do crédito, o respectivo titular nem vota ( art 44, nº 4 ) ?

c)       Excessivamente pesado, lento e  burocrático  - al b) do art 50. Não seria melhor toda a informação contabilística  continuar na empresa, até para garantir a continuidade da escrituração, e  ficar á disposição do administrador que, em prazo curto – por ex, 30 dias – fazia um relatório que juntaria aos autos ?;

d)      O despacho liminar de admissão é dado com base em pressupostos meramente documentais, e a ele segue-se a apresentação do PRJ e a demonstração da viabilidade económico financeira do requerente . A apresentação do PRJ não deveria ser feita conjuntamente com o pedido propriamente dito, o Juiz proferir o despacho liminar de admissão e a Assembleia a sua Aprovação/Rejeição ?

Pontos fortes :  A sujeição à RJ de todos os créditos não estatais do devedor – art 48, nº 1, desde que o plano seja aprovado,  o que facilita bastante a sua exequibilidade e dispensa a necessidade de requer a sua aplicação a credores que votaram contra, como conhecemos de outras jurisdições.

9.      Regime Penal.

Problema : Certamente pelo facto de as iniciativas legislativas terem sido contemporâneas, resultou uma relativa falta de harmonização entre as disposições penais da Lei ( artºs 167 e segs ) e do Código Penal ( artºs 295 e segs ).

Foi acertada a opção de conferir competência ao tribunal que processa a insolvência para processar e julgar os crimes relativos à insolvência e recuperação?

10.   Papel do MP.

A lei prevê – art 4º - a citação do MP em todas os pedidos de insolvência e de recuperação judicial , e a sua intervenção nos actos que envolvam o interesse público ou cuja tutela seja da sua competência . Uma vez que os créditos do Estado foram excluídos, é adequado ?

Se tem a ver com a acção penal – artºs 167 e segs da lei e arts 295 e segs do CP -  não seria o bastante o Juiz ordenar extrair certidões e remete-las ao MP para os fins tidos por convenientes ?

Em que se poderá fundar o recurso previsto no art 57, nº 2, da decisão que conceder a recuperação ?


11.  Sabia que ?

·         O exequente, quando vir devolvido o direito de nomeação de bens à penhora numa execução e ela tenha de prosseguir por não pagamento, pode pedir certidão e com base nela instaurar insolvência contra o devedor ?
·         As obrigações do insolvente podem ser extintas com o pagamento de 50 % – art 155, al b) ? Ou de menos, nos casos da al b) e c) do mesmo artigo, em 5 ou 10 anos, respectivamente, consoante haja ou não condenação pela pratica de crime falimentar ?
·         E que este regime se aplica, a pedido,  ao sócio de responsabilidade limitada – art 157 ?


12.  Sequência  e Acompanhamento :

Após as Jornadas, e tendo em conta os contributos recolhidos, a ANJUR elaborará e publicará pelos meios habituais o RELATÒRIO FINAL das mesmas.

Os promotores ANJUR e BCI propõe-se constituir e dinamizar um GRUPO DE ACOMPANHAMENTO, a preencher por convite e com inclusão de Juizes, Advogados, AI, Gestores e Bancos, cuja missão será a de monitorizar o funcionamento prático deste regime legal e de propor e advogar as melhorias que reputar de necessárias

segunda-feira, 24 de outubro de 2016




ASPECTOS SENSÍVEIS DA LEGISLAÇÃO MOÇAMBICANA COM IMPACTOS NO ESTATUTO DA MULHER NO DIREITO SUCESSÓRIO MOÇAMBICANO
I. Como foi muito oportunamente salientado nas II Jornada Jurídica (adiante designada apenas por Jornada), devem ter-se em conta aspectos fundamentais a montante desta temática, tais como : Os Regimes de bens do casamento e o regime aplicável à união de facto.
No passado, e em resultado da maior força institucional do casamento e da quase inexistência de divórcios, o regime regra era o da comunhão geral, sendo a comunhão de adquiridos susceptível de ser fixada em convenção ante-nupcial, tal como a separação absoluta, sendo esta última obrigatória em circunstâncias de idade dos nubentes ou perante a existência de filhos menores. A união de facto, por seu lado, não tinha qualquer previsão na lei.
Actualmente, face à maior perenidade das uniões, à perda de valor institucional do casamento e ao incremento das separações, o regime supletivo é a comunhão de adquiridos, sendo a separação absoluta ou a comunhão geral possíveis mediante convenção ante-nupcial.

Mas a separação perdeu o carácter obrigatório em certos casos e o legislador fixou ainda um regime de bens, entenda-se que fixado como único, que é o da comunhão de adquiridos, para as situações de união de facto..
Esta matéria tem uma enorme relevância, pois fixa o perímetro patrimonial a considerar na hora de herdar.
E por isso constataram-se, ao longo da Jornada, as seguintes recomendações:
a) O regime de separação absoluta deveria voltar a ser obrigatório se um dos nubentes tiver mais de 60 anos ou se existirem filhos menores anteriores ao casamento;
b) Na união de facto, onde o único regime possível é o da comunhão de adquiridos, pode/deve ser introduzida expressamente a presunção, ilidível, de que todos os bens adquiridos durante a sua vigência, e independentemente da sua titularidade, pertencerem à comunhão (face a situações injustas detectadas e que são consequência das práticas existentes na tradição patrilinear).
II. Quanto ao valor jurídico da união de facto: constatou-se que existem acções judiciais com o simples propósito de obter o reconhecimento judicial da existência da união de facto (inviabilizadas por alguns tribunais e aceites por outros, o que é indesejável para a certeza e segurança jurídicas), tendo sido opinado que o pedido é sempre admissível se for formulado em conjunto com outro (divisão de coisa comum ou fixação de alimentos, por exemplo), mas inviável se for feito isoladamente.
Resolver esta questão prática, bastante relevante, pode passar por :
a) Considerar-se a possibilidade de um registo da união de facto na CRCivil, por mera declaração conjunta dos interessados;
b) Clarificar as normas substantivas e processuais no sentido de evitar a contradição de julgados e obter economia de meios na questão do reconhecimento judicial da união de facto.
III. Nota final para uma estratégia de empoderamento da mulher e a promoção de igualdade de género: constatou-se amplamente que as mulheres moçambicanas são conhecedoras das práticas tradicionais, mas desconhecedoras de muitos dos seus direitos regulados pelo Direito Positivo.

Esta realidade resulta provavelmente da maior eficiência do modelo de comunicação one-to-one, através das famílias, que tende a difundir as práticas tradicionais, do que do modelo natural numa sociedade moderna, que deve assentar na escola, nos media, e nas experiências inter-pessoais fora da família e que transmite os direitos atribuídos pela Lei do País.
O desafio consiste então em dar mais eficácia aos métodos de comunicação que transmitem a lei.
A facilidade de adesão dos jovens e das mulheres jovens às TIC´s (que já abrange um número muito razoável de raparigas), a escola e os media devem, pois, ser os canais prioritários para a difusão dos direitos que a lei reconhece às mulheres, com o objectivo do seu empoderamento na sociedade.
B. NOS TEXTOS LEGAIS
1. NO LIVRO V DO CÓDIGO CIVIL
1.1 Artigo 2181 – proíbe os testamentos de mão comum.. Deve manter-se, tendo em conta o disposto no artigo 120 da Lei da Família e o Direito Comparado ?
O testamento de mão comum é admitido no Direito Anglo-saxónico (Alemanha, Áustria, Inglaterra, e Africa do Sul), mas foi sempre vedado nos regimes de influência românica (como é o moçambicano, brasileiro, francês ou português). Isto resulta muito do facto de o Direito Anglo-saxónico ser mais liberal em matéria sucessória ( estimulando bastante a sucessão planeada ) do que o Direito Românico, onde o testamento é raro e sempre limitado em amplitude.
O sistema românico enfatiza a natureza pessoal e até secreta do acto de testar, razão que tem impedido sempre a admissibilidade do testamento de mão comum, visto como sendo susceptivel de afectar ou condicionar a vontade do testador, na medida em que a sua vontade é expressa perante terceiros que podem ser interessados e por não garantir condições absolutas de liberdade pessoal e o secretismo comumente aceites. Também por tudo isto a sucessão contratual é limitada ( art 2028 do C Civil ).
Temos constatado em Moçambique o aparecimento de testamentos de mão comum feitos por cidadãos estrangeiros (sul-africanos) onde se dispõe sobre bens existentes em Moçambique, razão que os torna familiares, pelo menos ao nível da comunidade jurídica.
Em Conclusão : (i) Deverá manter-se pois manter-se a proibição (mesmo reconhecendo ser mais prático nos poucos casos em que os moçambicanos pretendem fazer disposições de última vontade); (ii) Deverá manter-se a sua admissibilidade e aptidão para a produção de efeitos jurídicos na ordem jurídica moçambicana, quando os mesmos decorrem de actos validos à luz de lei estrangeira face à lei pessoal do autor da sucessão – artº 64º, al. c) do C Civil .
1.2 Artigos 2156 e seguintes – estabelecem a sucessão legitimária. Deve existir ?
Tendo em conta que os moçambicanos, por cultura ou por desconhecimento, não têm o hábito de gerir a sua própria sucessão, ao contrário de outros povos, onde os testamentos abundam e se usam mecanismos sofisticados de gestão de patrimónios hereditários (como os Trusts), concluiu-se que o mecanismo da sucessão legitimária deve ser mantido, não se tendo encontrado vantagens em conferir a possibilidade de dispor de todo o património, e não apenas da quota disponível.
O mesmo se concluiu face ao limites do quota disponível, que parecem adequados, salvo quanto ao que resultará da proposta de alteração das classes de sucessíveis, onde haverá que ponderar valores.
1.3 Artigo 2133 – classes de sucessíveis. A ordem de chamamento do cônjuge é adequada? Deve a parte sobreviva na união de facto ser herdeira?
Esta é talvez a questão mais relevante nesta temática de obter justiça de género.
Quanto ao cônjuge, no Direito português, logo na grande reforma de 1977 foi revogada a formulação inicial do art 2133 do C.Civil que é precisamente aquela que ainda vigora em Moçambique. É imperioso corrigir esta situação, pois trata-se de um dos maiores atentados do Direito à mulher Moçambicana, quando na posição de cônjuge sobrevivo.
A realidade cultural moçambicana assente em tradições patrilineares (a Sul) e matrilineares (a Norte) , tem ditado que o património se transmita por morte, até com prejuízo do direito positivo, predominantemente na família do homem (no Sul) ou da mulher (no Norte, embora aqui não tão marcadamente como no Sul ), o que pode conflituar seriamente com a opção de conferir à mulher um melhor estatuto na classe de sucessíveis. Isto sucede por desconhecimento, muitas vezes, e pela acção directa, outras tantas vezes.
Ainda assim, a Jornada preconizou generalizadamente, que o art. 2133 do C Civil deve reordenar as classes de sucessíveis, nos seguintes termos :
a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao 6º grau;
e) Estado;
Foram ainda referenciadas situações em que as citadas tradições não respeitam muitas vezes o estatuto de meeiro do cônjuge sobrevivo, principalmente se se tratar de uma mulher. Esta questão será abordada no tópico final.
Quanto à parte sobreviva na união de facto, a situação é diversa.
Por um lado, os moçambicanos preferem, na maioria das suas opções de vida, as situações de informalidade, seja por alegada carência de meios, seja por desconhecimento, seja ainda por convicção. Por outro lado, quando por força da natureza das coisas, são obrigados a opções formais, as citadas práticas tradicionais acabam por conduzir a adquirir em nome do homem bens móveis sujeitos a registo, Duat´s, etç, apesar de estas aquisições resultarem do esforço de ambas as partes. O que, mais cedo ou mais tarde, vem a revelar-se como muito prejudicial para a mulher.
Não só ela não é herdeira no Direito positivo, como muitas vezes o próprio estatuto de meeiro lhe é negado, porque os membros da união seguiram essas práticas tradicionais, seja ainda porque a família do de cujus se sobrepõe à lei reivindicando os bens deste (que por lei eram de ambos).
Ainda que conceptualmente tal possa não parecer o mais correcto, a gravidade desta situação leva a admitir que, para já, a parte sobreviva da união de facto deve ser herdeira em certas condições, por exemplo, se a união durar há mais de 5 anos.
1.4 Artigo 2080 – (ligada à anterior ) o cabeçalato só é atribuído ao cônjuge se este for herdeiro ou meeiro. Deve ser assim ?
Pelas razões supra, e porque ao cabeça de casal cabe a administração da herança, o cônjuge deve ser, preferencialmente, o cabeça de casal.
1.5 Artigo 2080, nº4 – apesar de materialmente inconstitucional, o preceito que determina regras de atribuição do cabeçalato, não foi revogado nem a inconstitucionalidade foi declarada com força obrigatória e geral. O que fazer ?
Naturalmente que a solução passa por eliminar esta discriminação forçada, e nas regras de atribuição do cabeçalato, em caso de vários hipotéticos candidatos, deferir a posição ao mais velho, não havendo cônjuge.
1.6 Artigo 2146 – confere usufruto vitalício da herança ao cônjuge sobrevivo, se a herança for deferida aos irmãos e seus descendentes.
O preceito é totalmente desconhecido e deve ser divulgado.
Este regime pode desaparecer, se for adoptada a ordem preconizada na classe de sucessíveis.
Em qualquer caso, registar que apesar de existir, efectivamente, não é conhecido generalizadamente.
2. NA LEI DA FAMILIA - LEI 10/2004
2.1 A figura jurídica do Apanágio, apesar de legalmente estabelecida, é totalmente desconhecida. O que fazer ?
a. Artigo 422 – no casamento, para o cônjuge sobrevivo;
b. Artigo 424 – na união de facto há mais de 5 anos, do companheiro/a;
c. Artigo 426 – na união polígama há mais de 5 anos, entre os companheiros/as do autor/a da sucessão;
Confirmou-se no debate o desconhecimento destas regras, quer por quem pode delas beneficiar, quer por quem a elas está obrigado.
Naturalmente que se for acolhida a alteração da posição da mulher na classe dos sucessíveis estas regras perderão relevância, mas mesmo assim continuaram a ter o seu campo de aplicação.
Aqui, como noutros direitos, impõe-se uma estratégia de difusão que atinja os alvos certos, quer ao nível dos direitos, quer ao nível das correlativas obrigações.
2.2 Artigo 203, nº 2 – Para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o regime da comunhão de adquiridos. Daqui decorre uma hipotética meação, direito a alimentos ( pelo apanágio ), mas nenhum efeito directo na sucessão. Menos ainda na protecção social. Deve ser assim ?
Já se disse atrás que esta norma acaba por não alcançar os fins que se propôs, pois assenta no escrupuloso respeito pelas partes das regras de aquisição formais de património, que não se verifica. É o carro que se compra com o produto do trabalho de ambos, mas que é registado apenas em nome do homem, a Tv e a Geleira cuja factura ficou em nome do homem, é o Duat que se obtém para ambos, mas onde o titular é o homem, é a casa que se constrói nele, que nem registada é, etc.
Tudo isto leva a que, na hora da verdade, o perímetro de bens abrangido pelas regras de comunhão de adquiridos seja legalmente menor do que substancialmente deveria ser, mesmo que seja possível, com muita litigiosidade (onde não houver acordo) repor a verdade das coisas.
Por tudo isto, defendemos que este preceito deveria também instituir expressamente uma presunção, ilidível, de que todos os bens adquiridos durante a sua vigência de uma união de facto, e independentemente da sua titularidade, pertencem à comunhão .
Esta solução terá a maior importância na hora de dissolver a união de facto, seja por morte, seja por acordo, pois tornará muito mais simples delimitar o acervo patrimonial sobre o qual há que tomar decisões.
Também já se disse que, excepcionalmente, e em certas condições, a parte unida de facto deve poder herdar.
Por fim, e quanto a proteção social, a respectiva legislação deve também reconhecer, igualmente em certas condições, o direito da parte sobreviva em união de facto a aceder aos benefícios existentes, em condições análogas às dos cônjuges, o que já é comum no Direito comparado, nomeadamente no Direito Português.
3. NA LEGISLAÇÃO SOBRE TERRAS E ARRENDAMENTO
3.1 Lei de Terras – Lei 19/97 - Artigo 16, nº 1 - O Duat pode ser transmitido por herança, sem distinção de sexo. Não havendo ordem de sucessíveis especial, aplica-se o disposto no CC. É adequado?
À semelhança das conclusões sobre à transmissão por herança de outros bens e direitos, é recomendável a alteração da ordem das classes dos sucessíveis nos termos anteriormente apresentados, o que tornaria mais justa a sucessão nos casos dos DUAT´s.
Alternativamente, poder-se-ia estabelecer na legislação de terras uma regra especial nesta matéria, de modo a melhor se proteger a situação da mulher
3.2 - O companheiro/a, na união de facto, não pode adquirir o DUAT por herança?. Este assunto envolve alguma controvérsia, mas deveria pelo menos considerar-se a possibilidade de meação neste direito.
3.3 Lei 8/79 de 3 de Julho – Artigo 5º, 2 - Cessão de posição “mortis causa” dos arrendatários de imóveis do Estado. Só para o cônjuge constante do contrato? E em união de facto?
Acontece várias vezes que embora determinada pessoa seja cônjuge do “de cujus”, tal não foi formalizado no contrato de arrendamento de imóvel do Estado, ou não foi feita a necessária alteração.
O facto de alguém ser cônjuge, independentemente de constar do contrato, deveria ser suficiente para se verificar a cessão da posição contratual “mortis causa”.
O mesmo princípio deveria seguir-se em caso de união de facto.
3.4 Decreto 43525, de 7 de Março de 1961 – Artigo 76, 2 - a ordem de transmissão da posição do arrendatário é adequada? Não deveria ser a mesma no caso do artigo 2133 do CC?
A diferença de tratamento nestes dois dispositivos legais no que respeita e bens e direitos deve ser devidamente ponderada e ter em conta igualmente a solução a dar à possível alteração à ordem na classe dos sucessíveis.
3.5 Decreto 43535, Artigo 18 – impede a transmissão “inter vivos do arrendamento ao cônjuge, seja qual for o regime matrimonial; É suficiente a protecção do artigo 76,2?
Esta protecção não parece suficiente, em particular se se tiver em conta a actual possibilidade de alteração por acordo do regime de bens do casamento e também os casos de divórcio ou separação.
4. OS USOS E COSTUMES – SISTEMAS PATRILINEARES E MATRILINEARES Apesar de não terem tutela legal, são incontornáveis os usos e costumes moçambicanos nesta matéria. O legislador deve de alguma maneira, tê-los e conta ?
A Constituição da República de Moçambique acolhe no seu artº 4 o chamado pluralismo jurídico, traduzido este na possibilidade de coexistirem e serem aplicáveis os sistemas de normas do direito positivo e os sistemas de normas do direito consuetudinário (vulgo, os usos e costumes).
Este pluralismo tem contudo um limite: os sistemas normativos não podem contrariar os valores e os princípios fundamentais da Constituição. Ou, dito de outra forma, os sistemas de usos e costumes não podem contrariar a lei.
Esta convivência de sistemas de normas já resultava de alguma maneira do artº 3º do C Civil, mas a sua consagração constitucional dá-lhe indiscutivelmente maior alcance e força. Isto dito, e sendo sabido que os sistemas de normas consuetudinárias patrilineares e matrilineares aceites pelo pluralismo jurídico são a fonte de muitas regras que ofendem os princípios fundamentais da Constituição tais como o Princípio da Igualdade (artºs 35 e 36 da Constituição), os Deveres para com os seus semelhantes (art 44), o Direito à Propriedade (art 82) e o Direito à Herança (art 83) urge actuar no sentido de assegurar a prevalência destes últimos mesmo que em prejuízo de tais sistemas consuetudinários.
Uma vez mais trata-se aqui de uma questão de estratégia de disseminação da informação correcta, que tem além do mais, tem de ser cuidadosa para não parecer gratuitamente desrespeitadora das tradições fortemente enraizadas nas populações menos informadas, como aliás enfatizou a Srª Ministra do Género, Criança e Acção Social na sua mensagem de abertura, ao recomendar uma “profunda reflexão sobre as situações de descriminação e desigualdade a que a mulher moçambicana, principalmente a que reside nas zonas rurais, é submetida pois, é lá onde as práticas costumeiras com vícios graves são mais evidentes” (sic) .
5. OUTRAS NORMAS LEGAIS
5.1 - Casa de morada de Família.
O conceito existe no direito da família, (artº 196, nº 1. Al c), da Lei 10/2004 ), a propósito do chamado divórcio não litigioso. O destino da casa de morada de família é uma das matérias em que os cônjuges têm de obter acordo para verem o seu divórcio não litigioso decretado.
Refletiu-se sobre a extensão deste conceito à união de facto (art 202) tendo-se concluído que, de forma a estudar mais aprofundadamente, o mesmo deveria também ter relevância jurídica na união de facto onde existe comunhão plena de vida (nº 2 do art 202).
O mesmo se concluiu quanto ao direito sucessório, onde a casa de morada de família, se existente, deveria ter um destino determinado por lei.
5.2 – Determinação da lei aplicável ás relações entre cônjuges.
O art 52, nº 2 do C Civil, que define a lei aplicável na regulação das relações entre os cônjuges e na separação e divórcio (art 55), continua a definir, ainda que em último lugar, como critério de escolha, a lei pessoal do marido.
Esta estatuição deve ser eliminada .
5.3 - Sucessão de filhos
Os artºs 2139 e 2140 do C Civil continuam a distinguir entre filhos legítimos e ilegítimos, o que, apesar da referência no sentido correcto que consta do Código do Registo Civil, deve ser corrigido por instrumento mais adequado.
6. EM CONCLUSÃO
A II Jornada Jurídica da ANJUR visaram elencar os principais desafios existentes no longo caminho do empoderamento da mulher e da promoção da igualdade de género em matéria sucessória, sem descurar os demais desafios que a legislação da família (a montante desta) também contém.
Não houve, nem tal era mister que houvesse, a preocupação de propor em concreto normas jurídicas que preservem e respeitem a estrutura dos Códigos e a sistematização das normas que é essencial ao Direito, mas apenas soluções concretas que o legislador, respeitando tais regras, pode acolher.
Naturalmente que outros estudos subsequentes e trabalho de investigação, bem como debates idênticos noutras regiões do País, podem complementar estas conclusões, que, nessa medida, não pretendem ser exaustivas.
A ANJUR considera, pois, que foi plenamente atingido o objectivo científico a que se propôs e coloca-se desde já ao dispor das entidades competentes para participar não só no processo legislativo, mas também na preconizada definição da estratégia de comunicação adequada para o empoderamento da mulher e a promoção da igualdade de género, designadamente o Ministério do Género, Criança e Acção Social que desde logo acolheu com entusiasmo a iniciativa e nos honrou com presença de S. Exª a Srª Ministra, e ainda outras, tais como o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos e a Assembleia da República.
Maputo, 13 de outubro de 2016
O Conselho Científico da ANJUR
Veneranda Juíza Conselheira Drª Osvalda Joana
Advogado Dr. José Manuel Caldeira
Jurista Dr José Miguel Dias Pereira - Relator