FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO
Trabalho de Fim de
Curso
O Papel do Fundo de
Garantia de Depósitos na segurança do Sistema Financeiro - O caso de Moçambique.
Autor: Adelírio Ernesto
Alfredo Cossa
Supervisora: Dra Rosalina Gonçalo Machatine dos Santos
Maputo, Março de 2017
O PAPEL DO FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS NA SEGURANÇA DO
SISTEMA FINANCEIRO- O CASO DE MOÇAMBIQUE.
Monografia apresentada como requisito para a obtenção do Grau de Licenciatura
em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, sob orientação
da Dra Rosalina Gonçalo Machatine dos Santos.
FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE EDUARDO
MONDLANE
Maputo, Março de 2017
Dedicatória
Aos meus pais
Alfredo Cossa e Anabela Mucavele, que criaram-me, deram-me condições mínimas
para que pudesse ter acesso a uma educação de qualidade, acompanharam-me à
escola desde o nível primário até à Universidade e pelo apoio, conforto,
motivação e conselhos que sempre prestaram-me para que pudesse encarar os
desafios que a vida proporcionou-me até chegar a esta fase e que acima de tudo
não desmoronasse a medida que fosse encontrando obstáculos na minha formação.
Aos meus
irmãos Anélsio Cossa e Alícia Cossa, por me terem acompanhado em todos momentos
da minha formação.
Agradecimentos
Do fundo do meu coração vão os meus agradecimentos à Dra Rosalina Gonçalo
Machatine dos Santos, por ter acreditado nas minhas capacidades e ter prestado
um apoio imensurável no fornecimento de material para a elaboração desta tese
de Licenciatura.
À Senhora Jhane dos Santos pela paciência e apoio prestado ao longo desta
tese.
Enfim, a toda a equipa do escritório da Dra Rosalina Gonçalo Machatine dos
Santos, pela atenção dispensada.
Epígrafe
Os que se esforçam serão recompensados.
Anónimo.
Declaração de
Honra
Declaro por minha honra, que o presente trabalho foi
resultado da minha própria investigação e o mesmo foi concebido para ser
submetido à Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, para a obtenção
do Grau de Licenciatura em Direito e garanto que este nunca foi apresentado
para a obtenção de qualquer grau académico.
---------------------------------------
(Adelírio
Ernesto Alfredo Cossa)
Maputo, Março
de 2017
Lista de Abreviaturas
BM- Banco de Moçambique.
CRM- Constituição da República de Moçambique.
CCivil- Código Civil.
DM- Diploma Ministerial.
EMOSE- Empresa Moçambicana de Seguros.
EUR-Euro.
FDIC- Federal Deposit Insurance Corporation.
FIUL- Fundo de Investimento Ultramarino.
FGD- Fundo de Garantia de Depósitos.
FGC- Fundo Garantidor de Créditos.
FSA- Financial Services Authority.
G7- Grupo dos Sete.
IADI-
International Association of Deposit Insurers.
ICSF- Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
LICSF- Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
MT-Metical.
PEC- Plano Estatal Central.
USD- Dólar norte-americano.
Resumo
O presente trabalho de fim de curso, que tem como tema “O
Papel do Fundo de Garantia de Depósitos na segurança do Sistema Financeiro - o
caso de Moçambique”, vai abordar aspectos determinantes sobre o funcionamento
do Fundo de Garantia de Depósitos, que adiante designaremos por FGD. Teremos
como objectivo geral nesta dissertação: compreender o regime jurídico do FGD
tendo como foco o estudo das condições do seu funcionamento. O problema de
pesquisa levantado foi: Qual é a constitucionalidade dos 20.000.00 MT fixados
como Valor Limite de Garantia do FGD? Como é tratado o direito a indemnização
se o legislador plasmou um Valor Limite de Garantia para o FGD? e Qual a razão
da demora de 5 meses e 19 dias para a publicação do Diploma Ministerial nº.
61/2016 de 21 de Setembro e o que essa demora poderia implicar? Tomaremos como ponto de partida a doutrina,
procurando destacar alguns conceitos básicos do Direito Bancário, que reputamos
importantes para o desenvolvimento do tema desta monografia. Em
seguida será analisada a legislação pertinente, tanto a nacional assim como a estrangeira,
procurando compreender e interpretar a posição vertida nesses instrumentos
legais e no caso do FGD em Moçambique, estudar com mais profundidade o sentido
do legislador e procurando discutir a constitucionalidade e aplicabilidade do
limite de garantia do FGD, conforme regula o Diploma Ministerial que trata
desta matéria e que será adiante escalpelizada na presente monografia. Analisaremos,
também a actuação do órgão regulador procurando sempre fazer um paralelo entre
o papel deste e o cumprimento de alguns
preceitos constitucionais. Isso significa, que faremos uma abordagem do quadro
legal das Instituições de Crédito acerca da matéria em questão com enfoque para
a Instituição de Crédito- Banco. Em
termos de método a utilizar partiremos do analítico-sintético, ou seja, iremos compulsar:
o Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro, o Diploma Ministerial nº. 61/2016 de
21 de Setembro, a Lei nº. 1/92 de 3 de Janeiro, a Lei nº. 15/99 de 1 de
Novembro com as alterações da Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho, a Constituição da
República de Moçambique, o Código Civil, o Decreto n°. 56/2004 de 10 de
Dezembro. Seguindo para o método comparativo onde essencialmente faremos uma
análise comparativa de outros ordenamentos jurídicos. Serão, também utilizados sítios
da internet e jornais na abordagem do tema. No concernente às conclusões sobre
o assunto levantado nesta monografia, entendemos que o artigo 7, nº. 1 do
Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro conjugado com o artigo 1 do Diploma
Ministerial nº. 61/2016 de 21 de Setembro, são inconstitucionais por violarem
princípios e direitos
constitucionalmente consagrados.
PALAVRAS – CHAVE: Papel
- Fundo de Garantia de Depósitos – segurança do Sistema Financeiro.
I.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é respeitante a tese para a obtenção do Grau de
Licenciatura em Direito e tem como tema “O
Papel do Fundo de Garantia de Depósitos na segurança do Sistema Financeiro - o
caso de Moçambique”.
Na presente dissertação falaremos sobre o funcionamento
do FGD, tendo como foco o estudo da constitucionalidade do seu Valor Limite de
Garantia, bem como a análise dos direitos dos depositantes. Desta forma, não
serão abordadas questões relacionadas com o processo de falência dos bancos, ou
seja, não será discutido o processo de liquidação administrativa das
instituições de crédito em virtude de em
Moçambique a liquidação das instituições de crédito ser realizada por uma
Comissão Liquidatária que funciona de forma autónoma e que não faz parte do
FGD, cabendo assim ao FGD apenas as funções de efectuar os reembolsos aos
depositantes sem portanto desempenhar qualquer papel no processo de liquidação.
A crise financeira que atingiu Moçambique e que por consequência atingiu o
sector bancário nacional em inícios de 2016, caracterizada pela subida da
inflação, pela desvalorização do Metical face ao Dólar Norte-Americano o que
significou a subida da taxa de câmbio levou a que o BM tivesse de intervir no
sector bancário
e foi neste contexto que o Fundo de Garantia de Depósitos que será abordado nesta
dissertação teve de ser accionado.
O Fundo de Garantia de Depósitos funciona junto do Banco
de Moçambique e tem por atribuição principal, dentre outras, garantir o
reembolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito, cuja licença
de autorização de actividades tenha sido revogada e por conseguinte entrem em
processo de dissolução e liquidação administrativa.
Ora, podemos verificar que o FGD é uma entidade que pela
sua atribuição principal actua nas situações em que as Instituições de Crédito
captadoras de depósitos, no caso da abordagem do presente trabalho os Bancos
apresentem indisponibilidade de reembolso dos depósitos nela efectuados,
ou seja, isto ocorre nas situações em que os Bancos entram em processo de
liquidação.
Tomando em atenção às recentes intervenções do Banco de
Moçambique em certos bancos da praça, tais como: o Moza Banco, SA, o Nosso Banco,
SA o mecanismo de accionamento, âmbito e
funcionamento do FGD tem despertado a atenção da sociedade em geral e dos
clientes dos bancos em particular.
Estando atentos a esta situação entendemos que o estudo
do papel do FGD é importante, pois nos termos da legislação em vigor este Fundo
apresenta um Valor Limite de Garantia que será objecto de discussão neste
trabalho de fim de curso.
O Valor Limite de Garantia do FGD constante da legislação
em vigor, fixado em 20.000.00 MT,
no caso aprovado por Diploma do Ministro da Economia e Finanças,
levanta-nos a partida dúvidas sobre o critério utilizado para a determinação do
valor limite de reembolso do FGD.
Reputa-se, por isso, importante estudar os instrumentos
legais em torno da matéria para verificarmos qual é a constitucionalidade de
tal legislação.
Torna-se, assim,
necessário analisar até que ponto a nossa legislação garante a segurança e
estabilidade do Sistema Financeiro e se a actuação do Banco de Moçambique está em
conformidade com a lei.
Na presente
monografia vamos nos focar na espécie de Instituição de Crédito - Banco, inserido na Banca Comercial e destacaremos como exemplo o caso do
Nosso Banco- Sociedade em Liquidação.
A crise financeira que se faz sentir em Moçambique e que
afectou determinados bancos, designadamente o Nosso Banco, SA e o Moza Banco,
SA, casos destacados nesta dissertação, levou a que o Banco de Moçambique
intervencionasse o Moza Banco, SA através de providências extraordinárias de
saneamento e também culminou com a
revogação da autorização para o exercício da actividade do Nosso Banco,
SA pelo BM, o que por conseguinte levou
a que o FGD tivesse de ser accionado para garantir o reembolso dos depósitos
constituídos no Nosso Banco, SA. Da actuação do FGD identificámos o problema
relacionado com o não reembolso total aos depositantes quando os bancos entram
em processo de liquidação, como foi o exemplo do Nosso Banco, SA, caso que
parece-nos não obedecer os ditames da CRM.
Assim, nesta dissertação vamos procurar responder os
seguintes problemas:
a)
Qual é a
constitucionalidade dos 20.000.00 MT fixados como Valor Limite de Garantia do
FGD? Como é tratado o direito a indemnização se o legislador plasmou um Valor
Limite de Garantia para o FGD?
b)
Qual a razão da
demora de 5 meses e 19 dias para a publicação do Diploma Ministerial nº.
61/2016 de 21 de Setembro e o que essa demora poderia implicar?
A presente
dissertação tem como objectivos os seguintes:
·
Compreender o
regime jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos tendo como foco o estudo das condições
do seu funcionamento.
·
Analisar a
constitucionalidade do Valor Limite de Garantia do Fundo de Garantia de Depósitos;
·
Analisar os
direitos dos depositantes no Fundo de Garantia de Depósitos.
Para abordar o tema “O Papel do Fundo de Garantia de
Depósitos na segurança do Sistema Financeiro – o caso de Moçambique” vamos
utilizar essencialmente dois métodos a saber:
Analítico-Sintético,
partindo da análise dos seguintes instrumentos legais:
· O Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro;
· O Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de Setembro;
· A Lei nº. 1/92 de 3 de Janeiro;
· A Lei nº. 15/99 de 1 de Novembro com as alterações da Lei
nº. 9/2004 de 21 de Julho;
· A Constituição da República de Moçambique;
· O Código Civil;
· O Decreto n°. 56/2004 de 10 de Dezembro.
Comparativo,
no qual faremos uma análise comparativa de outros ordenamentos jurídicos.
· 1º Capítulo: onde serão apresentadas as noções básicas do Direito
Bancário com interesse para o tema em discussão;
· 2º Capítulo: onde será apresentada a regulação do sistema financeiro
em Moçambique, partindo de uma breve análise histórica de alguns países,
apresentando o caso de Moçambique, alguns aspectos iniciais sobre o FGD, falando
da relação bancária geral e das operações bancárias;
· 3º Capítulo: onde será desenvolvido o Fundo de Garantia de Depósitos
em Moçambique, discorrendo para tal sobre os instrumentos legais em torno da matéria;
· 4º Capítulo: onde será apresentada a análise comparativa tomando
como exemplo outros ordenamentos jurídicos.
Para abordar o
presente tema começaremos por apresentar alguns conceitos, que reputamos serem
fundamentais para o desenvolvimento da nossa pesquisa.
Tomando em consideração, que o tema em questão insere-se
na cadeira de Direito Bancário vamos começar por apresentar alguns conceitos da
disciplina.
O Direito Bancário não apresenta uma definição consensual
na doutrina, pois cada autor apresenta a sua definição, ora vejamos:
Para ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO o Direito Bancário na sua
acepção material “ é o Direito do
dinheiro, isto é, o Direito especializado no tratamento do dinheiro.”
Enquanto numa acepção formal “o Direito Bancário ocupa-se
da organização financeira, das instituições de crédito e sociedades financeiras
e da actividade desenvolvida por essas entidades.”
Pensamos que a ideia trazida por ANTÓNIO MENEZES
CORDEIRO, de limitar o conceito do Direito Bancário ao tratamento do dinheiro
não se mostra aceitável na medida em que a actividade bancária abrange uma
multiplicidade de operações e funções tais como: a consultoria, guarda,
administração e gestão da carteira de valores mobiliários, as operações sobre
metais preciosos, comercialização de contratos de seguro entre outras, pelo
que não nos parece seguro defender a definição do autor em questão.
JOSÉ MARIA PIRES avança que os dois aspectos fundamentais
da actividade dos bancos são as instituições e a sua actividade, o seu estudo
constitui o objecto do Direito Bancário.
Para TEODORO ANDRADE WATY:
O Direito Bancário pode ser descrito como o conjunto de
regras e princípios especialmente aplicáveis ao conjunto da actividade bancária
em sentido lato, compreendendo a recepção de depósitos, o empréstimo de fundos
e uma série de outro tipo de operações activas e passivas.
Para a discussão do tema desta dissertação adoptamos a
definição de TEODORO ANDRADE WATY, por ser a que melhor integra os aspectos que
serão nele apresentados com destaque para a recepção de depósitos, ou seja, é
uma definição que melhor se adapta ao tema em discussão.
Temos a destacar um aspecto importante que é o facto do
Direito Bancário regular e estudar duas grandes áreas:
·
A da Organização do
sistema financeiro;
·
A da actividade das
instituições de crédito e sociedades financeiras.
Na primeira área encontramos os bancos e demais instituições,
as condições de acesso à sua actividade, a regulação ou supervisão, a
fiscalização e as diversas regras conexas.
Já na segunda área encontramos as relações que se
estabelecem entre os Bancos bem como às relações que se estabelecem entre a
banca e os particulares.
Assim, é ponto
assente na doutrina que existe por um lado o Direito da Organização do sistema
financeiro ao qual chama-se de Direito Bancário Institucional e por outro lado
temos o Direito da actividade das instituições de crédito e sociedades
financeiras ou Direito da actividade bancária latamente entendida, a isto
corresponde o que chamamos de Direito Bancário Material.
As instituições de crédito e as sociedades financeiras
submetem-se a regras de densidade crescente.
Ou seja quando falamos em Sistema Financeiro estamos a
falar do:
Conjunto ordenado de instituições submetidas a um regime
jurídico basicamente comum que visam globalmente realizar a função social de
intermediação entre os aforradores e os que carecem da poupança para a
prossecução dos seus fins, nos quadros de política definida.
Essas instituições e instrumentos financeiros
possibilitam a transferência de recursos dos ofertantes para os tomadores
proporcionando liquidez no mercado.
Assim, o Sistema Financeiro está baseado na necessidade
de organização dos intermediários financeiros que efectuam a intermediação
entre os agentes económicos que tem renda superior ao seu consumo, os
poupadores e aqueles que estão na situação inversa, denominados investidores.
De acordo com JOSÉ EVARISTO SANTOS:
Essa
necessidade decorre do facto da inexistência de coincidência das expectativas
de ambas as partes quanto ao valor, aos prazos e às garantias, sendo necessário
que intermediários financeiros se interponham entre os poupadores e os
investidores e efectivem transformações quanto ao volume monetário, prazo e
risco de acordo com as necessidades das partes.
Para GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:
O Sistema Financeiro é o conjunto de normas estruturadas
por lei de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças,
bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento
económico e social.
O Sistema
Financeiro abarca assim as instituições que actuam no mercado monetário, financeiro
e cambial e que tem actividades de natureza bancária e ou financeira.
Para ADRIANO MALEIANE o Sistema Financeiro “é o conjunto de POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E
LEGISLAÇÃO QUE DISCIPLINA O FUNCIONAMENTO DO MERCADO.”
Alinhamos na definição de ADRIANO MALEIANE, pois integra
um conjunto de aspectos que parecem-nos permitir uma visão mais realística do Sistema
Financeiro atendendo que o Sistema Financeiro não é feito só de normas, mas
envolve também as políticas e instituições que variam de país para país.
Essas instituições classificam-se em: Instituições de
tutela, Instituições
auxiliares
e instituições financeiras.
A tutela tem a ver com o enquadramento, a regulação e o
controlo do Sistema Financeiro podendo as instituições de tutela assumir as
diferentes formas de tutela: a superintendência, a
supervisão,
o saneamento
e a disciplina
sendo que os poderes encontram-se distribuídos em entidades específicas.
E para que realizem as suas atribuições a lei confere-lhe
esses poderes de actuação que fazem parte da competência dos seus órgãos.
No tocante as instituições auxiliares estas não
desempenham funções de tutela nem qualquer actividade bancária ou financeira,
portanto não são agentes ou operadores financeiros.
São auxiliares porque o seu objecto é acessório da
actividade de uma ou mais instituições, mas existe um elemento de conexão
objectiva entre as funções de umas e outras.
Essas instituições tem por fim tornar mais eficiente ou
mais seguro o exercício das atribuições de outras entidades, facilitar,
incrementar ou assegurar a boa gestão das instituições que coadjuvam.
Por isso são consideradas como sendo periféricas ao
Sistema.
Já as instituições financeiras segundo ensina TEODORO
ANDRADE WATY ” são pessoas jurídicas
públicas ou privadas que tenham como actividade principal ou acessória a
colecta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de
terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e a custódia de valores de
propriedade de terceiros.”
Depois destas
breves noções gerais temos a apresentar duas notas:
· Cabe a cada legislador fixar a definição do que considera
ser Instituição de Crédito e Sociedade Financeira, por isso, em cada
ordenamento jurídico podemos encontrar diversas entidades no universo Banca
podendo variar de acordo com o momento;
· É importante destacar que a expressão “Banco” pode ser
vista num sentido amplo abrangendo assim os Bancos, as demais Instituições de
Crédito, Sociedades Financeiras e, em geral, à actividade desenvolvida por
essas entidades, entre si e com os seus clientes, assim, como pode ser vista
num sentido estrito onde se reporta
apenas aos Bancos como instituições
captadoras de depósitos do público.
Para desenvolver este capítulo, vamos começar por fazer
uma análise de alguns sistemas financeiros não na componente de conceitos, mas
na perspectiva de como o sistema financeiro encontra-se regulado em certas
partes do mundo e para isso vamos procurar fazer uma breve abordagem histórica.
Para tal vamos nos socorrer de alguma informação
apresentada por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO acerca dos sistemas financeiros.
O problema dos sistemas financeiros coloca-se a partir do
século XIX, sendo que a actividade bancária no período liberal e nas evoluções
subsequentes, veio a concitar uma regulamentação crescente tendo sido fruto de
medidas dísparas tomadas pelo Estado para enfrentar as crises económicas e
financeiras.
Essa regulamentação tinha um teor disperso e o que se
pode constatar na actualidade é que existem diversos modelos de organização
bancária.
Vejamos o
exemplo de alguns países:
Neste país verificou-se uma separação inicial entre os
bancos vocacionados para as relações com os particulares Commercial Banks e os bancos dos negócios Merchant Banks.
As operações bancárias mais diferenciadas tais como o
factoring cabiam à instituições especializadas.
Com a crise de 1929, o sector bancário foi atingido de
tal forma que cerca de 40% dos Bancos abriram falência tendo causado graves
danos para a população e este evento levou a que em 1933 surgisse o Banking Act.
O Banking Act
de 1933 veio a ser complementado pelo Bank
Holding Company Act de 1956, que restringia a participação da banca nos domínios
da indústria e do comércio.
Até aos anos 80 do século XX, havia nos Estados Unidos da
América uma separação clara entre a banca e os seguros, todavia a prática
acabou levando a uma interligação entre a banca e os seguros no fim daquele
século através do Gramm Leach Bliley Act sob
uma Financial Holding Company.
Em termos de autorização, os Bancos sujeitam-se à
autorização do Serviço Federal de superintêndencia, todavia no acto de
constituição podem optar por submeter-se à concessão do estado State Banks ou à Federal National Banks.
Portanto nos Estados Unidos existe um sistema dual
havendo numerosos bancos visto que em certos estados americanos as filiais são
proibidas.
Existe o Federal
Reserve System assente em 12 Bancos Federais de Reserva e nele são participantes
os Bancos Comerciais.
Cada um deles é dirigido por um Conselho composto por 9
membros sendo 6 escolhidos pelos Bancos e 3 designados pelo Board of Governors of the Federal Reserve
System, que por sua vez é composto por 7 membros designados, por um período
de 14 anos, pelo Presidente da União garantindo assim a sua imparcialidade e
independência.
No tocante a supervisão, esta estende-se às operações de
constituição, fusão, e de aquisição de acções, carecendo estas operações de
autorização.
Quanto a regulamentação dos bancos, é tradicionalmente
estrita desde 1933 e tem sido atenuada, procedendo-se ao que se poderá chamar
uma regulamentação prudencial.
Diferentemente dos outros países, o Reino Unido apresenta
uma repartição de funções bancárias ditada pela história e não derivada da lei.
Nos anos 70, neste país verificou-se uma tendência para a
banca universal.
Em termos de bancos, na Inglaterra apresentam-se os
seguintes: clearers- bancos
universais, building societies- bancos
prediais, merchant banks- bancos
comerciais de investimento, especialmente vocacionados para o comércio
internacional e os investimentos mobiliários.
Em termos de superintendência dos bancos compete ao Banco
Central conhecido por Bank of England dirigido
por um Governador, pelo Vice-Governador e por 16 administradores.
Não havia lei expressa sobre superintendência, entretanto
em 1979 a legislação foi formalizada.
A autorização prévia para o exercício do comércio
bancário continua a ser exigida.
Em 1998, o Bank of
England Act de 1998 veio estabelecer a plena autonomia do Banco Central
sendo lançada a Financial Services
Authority- FSA, que passou a ser entidade supervisora.
Desde 1 de Dezembro de 2001, a FSA aparece como única
entidade supervisora abarcando a banca, os seguros e o mercado mobiliário.
Em seguida, vamos recorrer a literatura de ADRIANO MALEIANE para apresentar o
caso de Moçambique.
No nosso país, o Ministério da Economia e Finanças e o
Banco de Moçambique são as instituições que detêm poderes para gerir as
políticas fiscais e monetárias no quadro dos objectivos macroeconómicos
determinados pelo Governo.
O Ministério da Economia e Finanças é a autoridade
financeira do país, coordena a preparação de legislação para a deliberação do
Governo ou para a submissão à Assembleia da República, conforme se trate de
Resoluções, Decretos, Leis.
Orienta ainda a implementação da política fiscal do país,
integra a elaboração e execução do orçamento do estado.
O Banco de Moçambique tem consagração constitucional no
artigo 132 da CRM, sendo o seu funcionamento regulado pela sua lei orgânica.
O Banco de Moçambique é o Banco Central da República de
Moçambique nos termos do artigo 2, da Lei nº. 1/92 de 3 de Janeiro conjugado com o
artigo 132 da CRM.
Nos termos do artigo 3 da mesma lei, o BM tem por
objectivo principal a preservação do valor da moeda nacional e no seu número 2,
alínea d) encontramos ainda o fim de disciplinar a actividade bancária.
Assim, o Banco de Moçambique pelas funções acima
descritas apresenta-se como a autoridade monetária em Moçambique, tendo a
responsabilidade de zelar pela implantação do sistema monetário.
Ao Banco de Moçambique compete a supervisão das
instituições de crédito nos termos dos artigos 37 a 39 da Lei nº. 1/92 de 3 de
Janeiro, esta função do BM é ainda reforçada em vários artigos da Lei nº. 15/99
de 1 de Novembro com as alterações da Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho, tais como os artigos 55, 72 a), b) , c), d) e e) e o
artigo 31 do Decreto n°. 56/2004 de 10 de Dezembro.
Ao Ministério da
Economia e Finanças cabe a superintendência, garantindo a necessária
coordenação com o Banco de Moçambique, na apresentação aos órgãos competentes
de projectos de legislação para o sistema bancário, sem descurar do poder do
Banco de Moçambique de regular o sistema financeiro.
O acima exposto pode ser retirado do artigo 1A da Lei nº.
15/99 de 1 de Novembro com as alterações da Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho, no
tocante a superintendência.
Relativamente ao poder do Banco de Moçambique de regular
o sistema financeiro, isto ocorre por meio de Avisos do Governador do Banco de
Moçambique, tal encontra-se previsto no artigo 143, n° 5 da CRM e 116 da Lei nº .
15/99 de 1 de Novembro com as alterações da Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho.
2.1.3.1. Estrutura do Sector Bancário Nacional
No período anterior à independência, portanto, em finais
da década de 60, o sector financeiro nacional apresentava um certo grau de
desenvolvimento tendo em conta a política económica vigente na altura.
À data da independência, o sector financeiro apresentava
a seguinte estrutura: 9 bancos comerciais.
Tais
bancos eram:
·
Banco Comercial de
Angola
·
Banco Espírito Santo
·
Banco Standard Totta
·
Banco Pinto e
Sottomayor
·
Banco de Crédito
Comercial e Industrial
·
Banco de Fomento
·
Instituto de Crédito de
Moçambique
·
Casa Bancária de
Moçambique
·
Caixa Económica de
Montepio Geral
·
Banco de Moçambique
Entretanto há que destacar que o próprio Banco de
Moçambique, conforme se pode constatar na lista acima apresentada para além de
ser o Banco Central naquela altura, exercia também a função de banco comercial.
Este era o panorama do sector bancário.
Ao nível do mercado de seguros existiam 4 companhias
seguradoras, a saber:
·
Nauticus
·
Tranquilidade de
Moçambique
·
Lusitana
·
Império
Havia ainda um Fundo de Investimento aberto denominado
FIUL, gerido pela Sociedade Moçambicana de Gestão de Bens.
Essa Sociedade jogou um papel importante no financiamento
do desenvolvimento do parque imobiliário especialmente nas cidades de Maputo e
Beira.
O Banco de Moçambique foi importante para aquele Fundo
visto que foi o seu depositário.
Em 1978, como corolário da consolidação da gestão
macroeconómica baseada no PECo sector financeiro sofreu uma reestruturação, passando
assim de 9 (nove) Instituições de crédito para apenas 3 (três).
Neste processo o Banco de Moçambique absorveu quase todas
as instituições de crédito com a excepção do Banco Standard Totta, que manteve
a sua actividade como único banco privado, do Banco Pinto & Sottomayor e do
Banco de Fomento de Moçambique que cessaram as suas actividades.
Relativamente as Seguradoras foram todas elas integradas
na EMOSE.
A nível dos produtos financeiros, para além, das
operações activas e passivas clássicas dos bancos comerciais, desenvolviam-se operações
de hedging da taxa de câmbio nas
operações com o exterior, conhecidas por compra
e venda da taxa de câmbio a prazo.
Com as reformas da política económica iniciadas em 1984 e
que apresentaram maior visibilidade a partir de 1987, foi necessária a
introdução de uma nova e moderna legislação financeira que permitiu a entrada
de novos operadores financeiros e o saneamento das contas dos balanços dos
bancos do Estado e a sua privatização, bem como o reforço do papel do Banco de
Moçambique como Banco Central da República de Moçambique.
Com base nessa reforma o autor a que nos referimos
apresenta a estrutura do sector financeiro referente a 2012 :
·
Bancos- 18
·
Microbancos- 8
·
Cooperativas de Crédito-
7
·
Sociedades de Locação
Financeira- 0
·
Sociedades de
Investimento- 1
·
Instituições de Moeda
Electrónica- 1
·
Sociedades
Emitentes ou Gestoras de cartões de crédito- 1
·
Sociedades
Administradoras de Compras em grupo- 1
·
Sociedade de
Capital de Risco- 1
·
Organizações de
Poupança e Empréstimo- 11
·
Operadores de
Microcrédito- 199
·
Casas de Câmbio- 19
Após esta breve exposição é importante destacar que no
sistema financeiro nacional temos instituições financeiras monetárias e
instituições financeiras não monetárias.
Para o presente trabalho, interessam-nos às instituições
monetárias por isso falamos do Banco Central e dos bancos comerciais sem claro
nos esquecermos que nas instituições monetárias encontramos também os
Microbancos que foram uma inovação trazida pela Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho
mas estes não fazem parte do objecto da nossa pesquisa.
Relativamente as Instituições não monetárias encontramos:
Sociedades de Seguros, Sociedades Financeiras, Casas de Câmbio, Bolsa de
Valores.
O quadro actual do sector bancário
no tocante às instituições de crédito no nosso país é o seguinte:
·
Bancos- 19
·
Microbancos- 9
·
Cooperativas de
Crédito- 8
·
Sociedade de Locação
Financeira- 1
·
Sociedades de
Investimento- 1
Ao longo da pesquisa realizada não foi encontrada uma
definição específica do que seja um FGD, contudo inspirando-nos nas informações
obtidas da IADI, estabelecemos a definição que a seguir apresentamos.
O Fundo de Garantia de Depósitos é o sistema estabelecido
para a protecção dos depositantes contra a perda dos seus depósitos garantidos,
nos casos em que os bancos não estejam em condições de cumprir às obrigações, que
tem para com os seus depositantes.
A temática sobre o Fundo de Garantia de Depósitos é
recente tanto a nível nacional, bem como a nível internacional.
Quando falamos em Fundo de Garantia de Depósitos, nos
termos das informações disponibilizadas pela IADI podemos
concluir, que estamos a falar em sistemas de seguro de depósitos.
Os Fundos de
Garantia de Depósitos foram implementados em consequência da crise financeira
global, que verificou-se entre 2007 a 2010.
Essa crise, trouxe importantes lições para os sistemas de
seguro de depósitos e a sua evolução, mostrou ainda a importância da
necessidade da manutenção da confiança dos depositantes no sistema financeiro e
o papel- chave que a protecção dos depósitos joga na manutenção dessa
confiança.
Avançamos como exemplo dos efeitos da crise financeira mundial,
os casos de alguns bancos tais como:
O banco comercial Bear Stearns, que teve uma quebra de 30 %
nos lucros do 2º trimestre, em Junho de 2007.
O banco Lehman Brothers, que em Setembro de 2008
entrou em insolvência, sendo de destacar que naquela altura o referido banco
contava com mais de 10 000 trabalhadores e antes do agravamento da crise,
apresentava um valor estimado em centenas de biliões de doláres.
O banco Wachovia, que
na altura era o quarto maior banco dos Estados Unidos, só em Abril de 2008,
teve um prejuízo orçado em 393 milhões de doláres.
O banco Credit
Suisse, que em Fevereiro de 2008 teve uma queda de 72 % nos lucros do
quarto trimestre de 2007.
O banco Northern
Rock perdeu 30 % do seu valor em bolsa de valores, e houve uma corrida de
clientes, que culminou em mais de 4 biliões de dólares em levantamentos.
O banco Northern
Rock foi mais tarde nacionalizado, tendo em vista evitar que entrasse em
insolvência.
Os Governos de alguns países, tais como a Alemanha chegaram
até a estabelecer em 5 de Outubro de 2008, uma garantia ilimitada a favor de
todas as poupanças constituídas na Alemanha e a 10 de Outubro do mesmo ano, os
Ministros das Finanças do G7
fizeram um plano, tendo em vista prevenir o colapso do sistema financeiro
mundial.
Foi realizada uma entrevista com o Presidente da Comissão
Directiva do FGD, na qual foram colocadas às seguintes perguntas:
1.
Qual foi o critério utilizado para a
determinação do valor limite de 20.000.00
MT?
O nosso entrevistado recomendou-nos
que procurassemos a informação em questão junto do Ministério da Economia e
Finanças.
Após várias tentativas visando encontrar um quadro do Ministério da Economia
e Finanças, que pudesse esclarecer a nossa preocupação, finalmente a 12 de
Abril de 2017 foi conseguida uma entrevista com um dos representantes do Ministério
da Economia e Finanças no FGD, na altura da criação do respectivo FGD, o qual
deu-nos a conhecer que o critério para a determinação do valor limite de 20.000.00 MT, resultou da escala dos
depósitos elegíveis realizada a 31 de
Dezembro de 2015, pelo FGD tendo como base as informações que o próprio FGD
solicitou e obteve do Sistema Financeiro naquela altura, destacamos aqui que as
informações eram atinentes apenas aos
depositantes singulares e a contas bancárias em moeda nacional.
Assim, na altura retromencionada constatou-se que da escala dos depósitos
elegíveis, aqui referimo-nos a escala dos depósitos no intervalo compreendido
entre 0 a 20.000.00 MT, representava esta escala 90% dos depósitos elegíveis, ou seja,
se formos a somar os depositantes que se encontravam na escala de 0 a 20 mil meticais e relacionar com o
total dos depositantes existentes na altura, chegamos a conclusão de que
correspondem a 90% dos depositantes elegíveis.
Os restantes 10% dos depositantes
tinham saldos acima de 20.000.00 MT.
Foi assim que foi determinado o valor limite de 20.000.00 MT.
2. Como o FGD interpreta o Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de
Setembro e o Decreto nº. 49/2010 de 11
de Novembro? Entendem ser uma legislação adequada a realidade moçambicana?
A resposta obtida foi de que a legislação do nosso FGD, é sim adequada a
realidade do nosso país, até porque os limites de garantia de um FGD dependem
das condições económicas existentes em cada país, pelo que no caso de
Moçambique a legislação corresponde às condições do país e por isso
consideramos ser adequada. No entanto, reconhecemos a possibilidade de haver
uma melhoria na legislação para os momentos subsequentes, mas reiteramos que
para as condições actuais do país esta legislação é adequada.
Reconhecemos que o nosso FGD deve continuar a acompanhar as boas práticas e
normas internacionais, no sentido de Moçambique adaptar a sua legislação a
essas práticas internacionais, para que a legislação não fique desajustada à
realidade do país e ao seu desenvolvimento económico.
3. No presente momento qual é o mandato do FGD em Moçambique?
Em Moçambique, o FGD até ao momento apenas tem desempenhado as funções de “pay box”,
caixa pagadora e neste aspecto entendemos que temos um desafio que é de evoluir
para podermos realizar mais funções.
Procuramos apurar as demais funções de um FGD, que podem variar de Fundo
para Fundo e dividem-se em 4 categorias (contando com a função de “pay box” anteriormente mencionada), a
saber: a função de caixa pagadora mais
“pay box plus” esta função como
sugere a própria denominação, acresce a um FGD a responsabilidade adicional de
desempenhar funções de resolução; existem ainda outras funções tais como
funcionar como um minimizador de perdas,
utilizando para isso as estratégias de resolução que apresentem um menor custo,
e por fim a função de funcionar como um minimizador
de riscos, onde o FGD assume uma compreensiva função de minimização de
riscos, que inclui a avaliação e gestão dos riscos, uma intervenção antecipada
e poderes de resolução e em alguns casos assume responsabilidades de realizar
uma supervisão prudencial.
Para desenvolver a relação bancária geral, vamos recorrer
aos ensinamentos de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
O Direito Bancário pode ser apresentado pelo prisma das
operações de crédito ou pela regulação prudencial, sendo possíveis outras
abordagens.
Entretanto no limite, tudo tende a reger situações de
pessoas, e mais, concretamente às situações das pessoas, que no âmbito do
comércio bancário venham a se relacionar com as instituições de crédito.
A situação típica a partir da qual se estruturam as
realidades jurídico-bancárias é a de um relacionamento duradouro entre o
banqueiro e o seu cliente, em cujo decurso se inscrevem os mais diversos actos:
abertura de conta, emissão de cheques, emissão de cartões bancários, depósitos
em dinheiro, depósitos em valores, pagamentos, transferências e créditos, entre
outros- é a relação bancária geral.
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO ensina, também que uma dogmática
bancária deve sempre destacar no topo das suas preocupações, a relação bancária
geral.
Sem essa relação bancária geral, as diversas operações
bancárias não fariam sentido e o direito bancário institucional, com a
supervisão perderia a sua última razão de ser.
Existem algumas teorias clássicas em torno da relação
bancária geral, a saber:
2.2.4.1. A doutrina do contrato bancário geral
Esta baseia-se
essencialmente na ideia da existência de um contrato unitário próprio.
O contrato
bancário surgiria com a aceitação, pelo cliente, das cláusulas oferecidas pelo
banqueiro e as cláusulas neles patentes teriam natureza contratual.
Destacar o
duplo mérito que o contrato bancário apresentou, pois explicava a relação
complexa entre o banqueiro e o cliente e esclarecia a natureza das próprias
cláusulas contratuais gerais.
Este assunto
foi muito discutido no âmbito das cláusulas contratuais e dos contratos
normativos ou dos contratos básicos, a ela ligados.
A relação
bancária complexa estabelecida ou pretensamente estabelecida entre o cliente e
o banqueiro, teria a virtualidade de desencadear o aparecimento de novos
contratos, daí considerar-se o invocado contrato bancário como um contrato de
angariação de negócios ou um contrato promessa, e ou ainda um contrato
normativo.
A grande
questão em torno desta teoria do contrato bancário geral, tinha a ver com um
eventual dever de contratar, por parte do banco.
A questão que
se coloca aqui é: ficaria o banqueiro obrigado a conceder crédito futuro ao
cliente?
A resposta era
negativa, pois mesmo no auge da concepção do contrato bancário, sempre se
entendeu que o banqueiro tinha a liberdade de celebrar contratos futuros, de
acordo com os seus próprios critérios, e apenas em situações peculiares lhe poderia
ser oposto o abuso do direito, perante a recusa de contratar.
O contrato bancário geral não vingou, quando se
torna claro que ele não vinculava o banqueiro a celebrar futuros e subsequentes
contratos, sem que isso pudesse consubstanciar abuso de direito.
Esta foi a
razão que levou ao declínio desta teoria.
2.2.4.2. A doutrina da relação de
negócios
Esta foi desenvolvida
por estudiosos comercialistas do século XIX, que já haviam se deparado com a
existência, quer entre os comerciantes e fornecedores ou entre os comerciantes
e os seus clientes, de relações de negócios que se prolongam no tempo.
Assim, nessas
relações verificar-se-ia que em vez de um único negócio isolado, surgiriam
antes sequências de negócios encadeados no tempo.
Desta forma a
relação duradoura, teria um início e um termo, representando um valor autónomo
acrescido no comércio.
Esta doutrina caracterizou-se
por apresentar muita insegurança na sua previsão e pouca precisão nas
consequências, por isso entrou em declínio e acabou por ser substituída pelo
instituto da Culpa In Contrahendo, e
as diversas vias da tutela da confiança tidos como institutos mais precisos.
2.2.4.3. A doutrina da relação
legal e de confiança
Esta doutrina reza
que as partes assumem uma perante a outra, determinadas prestações.
Para além disso, a
regra da Boa Fé implica que elas fiquem adstritas a certos deveres de cuidado e
de protecção, de modo a que não sejam provocados danos na esfera de cada uma
delas.
Concluiu-se que a relação
bancária complexa pode ser analisada numa relação obrigacional sem dever de
prestar principal, no entanto isso simplesmente não nos diz que não tenha base
contratual, enquanto a ausência de dever de prestar principal teria, sempre, de
ser estabelecida perante o seu regime.
É nosso entendimento que não se aplicam as teorias acima
apresentadas, pois o que existe na relação bancária não é a garantia de uma
relação duradoura, mas sim uma expectativa com o contrato de abertura de conta
de que possam a vir a realizar-se contratos subsequentes entre o banqueiro e o
seu cliente.
Segundo JOSÉ MARIA PIRES:
As operações bancárias consistem nos diversos actos de
natureza económica, realizados por entidades legalmente habilitadas, mediante
os quais se processa a intermediação financeira na recolha de fundos
reembolsáveis e sua distribuição sob a forma de crédito, bem como a prestação
de diversos serviços, entre os quais se destacam os serviços de pagamento, os
serviços sobre valores mobiliários, os serviços de guarda de valores e os
serviços de câmbio.
Conforme os conhecimentos obtidos ao longo do curso, as
operações bancárias desencadeadas pelos bancos concretamente as operações de
recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis e a sua aplicação na
concessão de crédito, podem ser consideradas as operações fundamentais dos
bancos.
Aquelas operações são as consideradas essenciais aos
bancos e em contraposição encontramos as operações acessórias, subsidiárias ou
colaterais.
Essa é opinião de alguma doutrina, entretanto, o que
iremos abordar neste trabalho são as operações de recepção de depósitos,
conforme o tema sugere.
As operações bancárias apresentam algumas características
comuns segundo C. Gavalda e J. Stoufflet, a saber:
·
Personalização
·
Estandardização
·
Publicização
·
Internacionalização
O carácter pessoal da actividade bancária encontra
fundamento no risco que a envolve, em especial na concessão de crédito.
O cliente, ao celebrar o contrato com o banco pode correr
o risco de se expor quanto ao seu bom nome e até quanto ao seu património.
Esta situação exige um clima de confiança mútua, sendo o
princípio da boa-fé fundamental.
Por isso para exprimir aquela realidade dizem aqueles
autores que os Contratos relativos as operações da banca são realizados
“intuitu personae”.
A personalização caracteriza mais especificamente
determinadas operações, sendo de destacar: as operações de crédito, a abertura
de conta, a entrega de cartões especiais, a disponibilidade de cofres de
aluguer e o aconselhamento comercial e financeiro.
Esta diz respeito aos contratos de adesão, ou seja, a
actividade bancária é realizada em modelos uniformes, tendo em vista uma maior
diminuição de custos, rapidez e segurança jurídica.
Esses contratos de adesão apresentam fórmulas previamente
criadas e quando oferecidas aos clientes bancários, cabe a estes apenas aderir
ou não ao conteúdo desses contratos.
A estandardização é facilitada através do uso da
informática e da normalização de documentos, tais como: os recibos, os módulos
de cheques, os impressos para letras e livranças.
Esta característica das operações bancárias infere-se do princípio da simplicidade, que visa a redução de formalidades prejudiciais à normal
sequência das operações e o aperfeiçoamento dos indispensáveis meios de prova
dos factos constitutivos de direitos e obrigações.
A publicização está relacionada com o dirigismo económico
dos poderes públicos, em especial das autoridades responsáveis pela política
económica e das entidades de supervisão, sobre a actividade bancária.
Aqui encontramos um conjunto de normas tais como: normas
sobre condições de constituição e funcionamento das instituições, incluindo
autorizações, registos, regras de conduta, regras prudenciais, garantia de
depósitos e sanções.
Esta característica revela-se na criação de diversas redes de
correspondentes, na instalação nas principais praças financeiras do mundo de
filiais e sucursais, na constituição de consórcios internacionais para a
execução de operações financeiras de maior risco e de elevados valores, adopção
de técnicas e práticas uniformes tais como os créditos documentários.
Os Bancos são os intermediários financeiros entre os que
dispõem de capitais e os que dele necessitam.
A mercadoria do comércio bancário é o dinheiro, e este
pode provir dos capitais próprios dos bancos: aqui nos referimos ao capital
estatutário, capital social. Todavia esses capitais são insuficientes para o
movimento bancário.
No entanto se os bancos trabalhassem, somente, com
capitais próprios apenas poderiam, em regra, obter rendimentos à taxa de juro
corrente no mercado devendo deste rendimento bruto ser deduzidas as despesas
que o comércio bancário acarreta.
Dessa forma, o rendimento líquido seria muito inferior à
taxa normal do juro do mercado.
Por isso, o capital social dos bancos funciona como um
capital de garantia, destinado a dar ao público a confiança e a segurança
necessárias.
Uma outra fonte que os bancos tem à sua disposição para a
aquisição dos seus capitais de movimento é o depósito.
Este pode ser feito à ordem, à prazo, dentre outras
modalidades.
A nomenclatura dos depósitos bancários coincide com a
modalidade da conta bancária, daí que por exemplo quando se tratar de conta à
ordem, denominar-se-a de depósito à ordem, e assim sucessivamente para os
vários tipos de contas segundo TEODORO ANDRADE WATY.
O regime jurídico do FGD, compreende o Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro e o Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de
Setembro.
O artigo 7, nº 1 do Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro,
diz que: O FGD garante o reembolso do
valor global dos saldos de cada depositante, até ao limite fixado por Diploma
do Ministro das Finanças, sob proposta do Banco de Moçambique, considerando-se
os saldos existentes à data em que se verificar a indisponibilidade dos depósitos.
Agora vejamos o Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de
Setembro:
O artigo 1 do Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de
Setembro, diz que: O limite da garantia de reembolso pelo Fundo de Garantia de Depósitos é
fixado em 20.000.00 mt (vinte mil Meticais) por cada depositante e por cada
instituição participante.
Como podemos ver o artigo 1 deste Diploma Ministerial
fixa o limite da garantia de reembolso no valor de 20.000.00 MT.
Significa isto que todos os depósitos efectuados nos
bancos caso haja uma situação de indisponibilidade
dos mesmos, ainda que os depositantes tenham como saldo das suas contas um
valor superior a 20.000.00 MT, ainda
assim o Fundo de Garantia de Depósitos no espírito deste Diploma Ministerial
não assegura o reembolso na totalidade aos depositantes.
Outra situação que chama-nos a atenção é o facto deste DM
ter sido assinado por Sua Excia, o Ministro da Economia e Finanças a 29 de Março de 2016 com indicação
para início de vigência na data da sua publicação.
Entretanto o referido DM só veio a ser publicado a 21 de
Setembro de 2016 e feitas as contas de
29 de Março de 2016 a 21 de Setembro de 2016 passaram-se 5 meses e 19 dias,
portanto 176 dias.
Com base nos aspectos acima levantados formulámos os
seguintes problemas, aos quais passamos a responder.
1.
Qual é a constitucionalidade
dos 20.000.00 MT fixados como Valor Limite de Garantia do FGD? Como é tratado o
direito a indemnização se o legislador plasmou um Valor Limite de Garantia para o FGD?
2.
Qual a razão da demora
de 5 meses e 19 dias para a publicação do Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21
de Setembro, e o que essa demora poderia implicar?
1.
Qual é a
constitucionalidade dos 20.000.00 MT fixados como Valor Limite de Garantia do
FGD? Como é tratado o direito a indemnização se o legislador plasmou um Valor
Limite de Garantia para o FGD?
O artigo 126 da CRM defende o seguinte:
“O sistema
financeiro é organizado de forma a garantir a formação, captação e a segurança
das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento
económico e social do país.”
Da conjugação do artigo 7, nº. 1 do Decreto nº. 49/2010
de 11 de Novembro com o artigo 1 do Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de
Setembro verificou-se que:
Ao se fixar os 20.000.00
MT como Valor Limite de Garantia de
depósitos parece-nos haver uma violação do artigo 126 da CRM, que expusemos o
qual na sua segunda parte avança que o sistema financeiro é organizado de forma
a garantir a segurança das poupanças.
O FGD ao plasmar aquele limite de garantia põe em causa a
segurança das poupanças, e explicamos porque razão: É que a segurança das
poupanças nos termos da Constituição quer abranger todos os depósitos
contituídos nas instituições participantes sem exclusões, portanto podemos à
partida constatar que a existência do valor limite de reembolso em consequência
tem grande impacto na segurança do sistema financeiro.
Para além daquele
artigo encontramos ao percorrer a CRM
mais disposições para sustentar a nossa tese.
O valor limite de 20.000.00
MT representa ainda a violação do património dos depositantes, ou seja,
este limite significa que o direito de propriedade dos depositantes sobre os
depósitos, que não se extingue pelo facto de se celebrar o contrato de depósito
com os bancos, isto é, o dinheiro depositado pelos clientes bancários nas
instituições de crédito continua sendo propriedade dos depositantes mesmo após
a entrega ao banco, isto afere-se do artigo 1144 do CCivil por força do artigo
1206 do CCivil.
O direito a propriedade é reconhecido e garantido pelo Estado,
conforme dita o artigo 82,
nº.1 da CRM, daí que no caso do FGD este aspecto não foi considerado.
Lembremo-nos que o contrato de depósito implica a entrega
de uma coisa pelo depositante para a sua custódia pela entidade depositária, no
caso dos depósitos bancários o cliente bancário/depositante confia a guarda das
suas poupanças a um banqueiro/depositário o qual se compromete a gerir e guardar aqueles fundos
do depositante na esperança de que em algum momento possa o depositante
querendo exigir o dinheiro dos depósitos efectuados.
Ademais podemos
conjugar o artigo 82 da CRM com o artigo 58 , nº. 1 da CRM e chegamos a
conclusão de que o direito a indemnização é de difícil efectivação/concretização
a partir do momento em que fixou-se o valor limite do FGD.
Reconhecemos
que o direito a indemnização surge na relação jurídica bancária a partir do
momento em que ocorre o incumprimento do contrato, no caso o incumprimento do
contrato de depósito por parte do depositário/banco, o que nos termos do
elemento garantia da referida relação bancária confere espaço para que o
depositante usando as providências dotadas de força coercitiva à sua
disposição, reclame os seus créditos em Tribunal.
Entretanto
existe uma barreira à plena efectivação/concretização desse direito a
indemnização que reside no facto da indemnização depender do produto da
liquidação do banco liquidando, ou seja, se o banco liquidando tiver activos
tóxicos dificilmente serão satisfeitos esses créditos reclamados em Tribunal,
até porque a liquidação é um processo que depende das condições oferecidas pelo
mercado.
Pelas razões
acima apresentadas reafirmamos nesta dissertação que o direito a indemnização
embora exista é de difícil efectivação/concretização.
Estão em causa
também a justiça social e o princípio da igualdade perante a lei nos termos dos artigos 11, alíneas c) e
e)
da CRM e artigo 35 da CRM
respectivamente.
Relativamente a actuação do Banco de Moçambique, como
órgão de tutela do FGD e regulador do sistema financeiro, parece-nos não ter
agido nos termos da Constituição da República ao ter aplicado as suas medidas
de intervenção até aqui verificadas, pois
não parece assegurar e transmitir segurança tanto aos depositantes assim como
ao sistema financeiro.
Ademais recorrendo ao contrato de abertura de conta
verificou-se que não consta dele nenhum aviso em relação ao perigo de perda dos
depósitos em caso de falência dos bancos e sobre a existência e limites de
reembolso do FGD, o que significa que se o cliente bancário não é informado sobre
aquele aspecto, então estamos diante de uma situação em que os bancos vedam o
acesso do consumidor à informação nos termos do artigo 92
da CRM, portanto mais uma vez temos um direito constitucionalmente previsto que
não é observado.
O acima exposto leva-nos a concluir que o Valor Limite da
Garantia do FGD é inconstitucional, conforme apresentámos e por conseguinte por
violar o direito dos depositantes a indemnização.
Por estas razões concluimos que o artigo 1, do DM nº.
61/2016 de 21 de Setembro que determina
a fixação do limite de garantia em 20.000.00
MT e o artigo 7, nº. 1 do Decreto
nº. 49/2010 de 11 de Novembro não
conferem segurança ao sistema financeiro e aos depositantes e por isso enfermam
de inconstitucionalidade, por de forma recorrente violarem direitos
constitucionalmente previstos bem como valores e princípios vigentes na
República de Moçambique.
O princípio da
constitucionalidade diz-nos que todas as normas devem ter o seu fundamento na
Constituição, prevalecendo sempre a supremacia da Constituição.
As normas em
discussão nesta dissertação, confrontando-as com a CRM, não encontram ao nosso ver
fundamento naquela, trata-se de normas incompatíveis com a CRM e portanto inconstitucionais.
Assim a tese da inconstitucionalidade
é sustentada pelo facto de ao nosso ver no caso do FGD em Moçambique, os 20.000.00 MT por ele proporcionados
colocarem-nos numa situação em que a ideia
da não razoabilidade do valor é transcendida, ou seja, falamos em
inconstitucionalidade pois a segurança
das poupanças é um elemento central num FGD, tomando em consideração que na
criação do Fundo de Garantia de Depósitos, um dos seus objectivos é salvaguardar a estabilidade financeira
e esta no nosso entender está contida no âmbito/espírito da segurança das
poupanças, perfeitamente defendida pela CRM no seu artigo 126, e atendendo
ainda que o princípio da cobertura
se olharmos para aquilo que a IADI apresenta-nos diz claramente que a cobertura
será limitada, entretanto há necessidade desta abranger a grande maioria dos
depositantes bem como de ser credível, daí
que no caso em concreto de Moçambique é necessário atender a esta particularidade
do princípio da cobertura, ou seja, urge adaptar o FGD à realidade
constitucional moçambicana no tocante ao seu valor limite e por isso o valor de
20.000.00 MT mais do que não ser
razoável coloca a segurança das
poupanças em causa justamente por essa falta de credibilidade e abrangência
muito reduzida do FGD, se atendermos até ao facto do FGD cobrir apenas
depositantes singulares, e contas bancárias em moeda nacional.
Podemos ainda olhar o valor limite de 20.000.00 MT do ponto de vista de
salários mínimos e se atendermos aos salários mínimos em vigor em Moçambique
neste ano de 2017, a título de exemplo o salário mínimo aprovado para o sector
da agricultura, pecuária, caça e silvicultura foi fixado em 3642 MT ,
ou seja, relacionando este ordenado com os 20.000.00
MT pode-se desde logo notar que corresponde a cerca de 5
salários mínimos, ou seja, podemos constatar também por esta via que a
segurança das poupanças é posta em causa.
Num breve
olhar antecipado ao sistema português verificamos que este apresenta um valor
limite de 100.000 EUR no seu FGD, e o salário mínimo nacional em vigor naquele
ordenamento jurídico é de 557 EUR,
relacionando estes valores verificamos que correspondem a cerca de 180 salários
mínimos.
Ora, é justamente a segurança das poupanças que tendo
tutela constitucional em Moçambique, conforme os argumentos e dados
apresentados anteriormente reforça a tese da inconstitucionalidade dos 20.000.00 MT, por isso este valor não
deve permanecer mas sim merece um aumento de tal forma a que a segurança das
poupanças em Moçambique seja salvaguardada e devem existir mecanismos específicos
para auxiliar o FGD no seu desempenho.
2 . Qual a razão da demora de 5 meses e 19 dias
para a publicação do Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de Setembro, e o que essa demora poderia implicar?
Relativamente a publicação e entrada tardia em vigor do
Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21 de Setembro o que temos a dizer é que se
voltarmos no tempo e ao contexto em que este Diploma aparece, sugere-nos a
ideia de que, quer o BM quer o Ministério da Economia e Finanças, tendo
conhecimento da situação económica instável de vários bancos em virtude de um
momento de crise económica previam que caso aquele Diploma fosse publicado e
entrasse em vigor em Março de 2016, corria-se o risco de os depositantes, em
particular das instituições que estivessem sob alerta do BM
corressem em massa para retirar o dinheiro depositado nos bancos pelo que
consideramos que a publicação e entrada tardia em vigor daquele instrumento
legal terá sido resultado do próprio interesse das autoridades.
O Nosso Banco, SA teve a sua licença de autorização
revogada por Despacho do Governador do Banco de Moçambique datado de 11 de
Novembro de 2016, o qual encontra-se em anexo a este trabalho.
A situação do
Nosso Banco, SA foi noticiada em vários jornais da praça tais como o jornal O País, o Jornal Notícias , os
quais encontram-se em anexo a este trabalho.
Dos dados até ao momento obtidos, soubemos que o FGD até
Janeiro do presente ano reembolsou aos depositantes do Nosso Banco, 8.5 milhões
de Meticais o correspondente a 54,6% do valor global a ser reembolsado que é
avaliado em 15.6 milhões de Meticais.
Em Portugal o
Fundo de Garantia de Depósitos- FGD tem o seu regime jurídico plasmado no regime geral das
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovada pelo Decreto-Lei nº. 298/92
de 31 de Dezembro, que consagra nos artigos 154 e seguintes o regime do FGD
conjugado com o Regulamento do FGD aprovado pela Portaria nº. 285-B/95, 2ª
Série de 15 de Setembro de 1995 sendo o Fundo de Garantia de Depósitos naquele
ordenamento tido como uma pessoa colectiva pública, com autonomia
administrativa, financeira e património próprio, em termos de objecto visa
garantir o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito.
Em termos de
Limite de Garantia o Fundo garante o reembolso por depositante crédito do valor
global dos saldos em dinheiro de cada titular de depósito até ao limite de
100.000 EUR, conforme prevê o artigo 166 daquele instrumento português sendo de
destacar que alguns depósitos não são abrangidos pelo valor limite de reembolso
por um período de 1 ano a partir da data em que o montante tenha sido
creditado na respectiva conta,
nomeadamente: depósitos decorrentes de transações imobiliárias relacionados com
prédios urbanos habitacionais privados, depósitos com objectivos sociais
determinados em diploma próprio, depósitos cujo montante resulte de pagamento
de prestações de seguros ou indemnizações por danos resultantes da prática de
um crime ou condenação indevida conforme dita o artigo 166, nº2 a),b) e c) do
regime geral.
São
considerados os saldos existentes à data em que se verificar a
indisponibilidade dos depósitos e em termos de critérios utilizados o sistema
português traz-nos certas particularidades que destacamos: considera o conjunto
das contas de depósito que o interessado seja titular na instituição em causa independentemente
da sua modalidade, converte em euros ao
câmbio da mesma data, os saldos de depósitos expressos em moeda estrangeira.
Facto
interessante que encontrámos ao longo da pesquisa é que em Portugal até 2008 o
valor limite de garantia era de 25.000 EUR, numa altura em que se vivia a
falência do Banco Lehman Brothers o que levou os reguladores financeiros
europeus a fazer uma revisão/reforço das garantias dos seus sistemas e foi nesta
senda que em Novembro de 2008 o legislador português decidiu aumentar o valor
limite da garantia para 100.000 EUR, com o objectivo de confirmar a confiança dos
depositantes portugueses no sistema financeiro.
Comparando o FGD português com o moçambicano verificamos
como primeiro ponto a diferença de organização por parte do legislador, visto
que em Portugal o regime jurídico do FGD está plasmado no regime geral das
instituições de crédito e sociedades financeiras contando com um Regulamento do
FGD, que orienta como se aplicam as regras previstas no regime geral, ao passo
que em Moçambique, o nosso regime geral das ICSF apenas cita a necessidade de
criação de um Fundo com o objectivo de garantir o reembolso dos depósitos que, entretanto só viria a ser criado em 2010 por via de um Decreto e mais tarde em 2016 foi
fixado o limite de garantia por via de um Diploma Ministerial.
O segundo ponto de comparação prende-se com o valor
limite de garantia, pois em Portugal o valor limite é de 100.000 EUR, ao passo que em Moçambique o valor limite de garantia é de 20.000.00 MT, um valor muito aquém para a
garantia de segurança e confiança dos depositantes no sistema financeiro
lembrando a evolução do FGD português em Novembro de 2008 dos 25.000 EUR para os actuais 100.000 EUR por depositante.
No Brasil existe uma entidade denominada Fundo Garantidor
de Créditos abreviadamente FGC, que é uma entidade privada sem fins lucrativos que
administra um mecanismo de protecção aos correntistas, poupadores e
investidores, que permite recuperar os depósitos ou créditos mantidos em
instituições financeiras até determinado valor em caso de intervenção, liquidação
ou falência.
O total de créditos de cada pessoa contra a mesma
instituição associada, ou contra todas as instituições associadas do mesmo
conglomerado financeiro será garantido até o valor de 250.000 Reais limitado ao saldo existente chamando-se naquele país
o valor limite de garantia como limite de
cobertura ordinária.
Comparando o sistema brasileiro com o sistema moçambicano
verificamos como primeiro aspecto a diferença de abordagens.
No Brasil existe um FGC como uma entidade privada com o
papel equivalente ao do FGD em Moçambique, diferindo no valor limite de garantia
que no Brasil é de 250.000 Reais, enquanto que em Moçambique temos
um limite de garantia de 20.000.00 MT.
Nos EUA foi
estabelecida em 1933, uma agência independente do governo dos Estados Unidos da
América, que protege os depósitos constituídos nos bancos e associações de
poupança denominada por FDIC,que
abrange todas as contas de depósito incluindo: contas poupança, contas de depósitos
do mercado monetário, certificados de depósito, mas exclui da garantia produtos financeiros tais como: acções,
títulos, fundos mútuos, apólices de seguros de vida e anuidades ou títulos.
O valor limite de garantia é de 250.000 USD por depositante e por banco segurado dependendo, assim
, de cada categoria de conta.
Mais uma vez
podemos verificar, que o sistema americano de garantia de depósitos se
apresenta mais sólido, confere maior confiança, segurança ao sistema financeiro
e aos seus depositantes, o que não acontece no sistema moçambicano que ainda
apresenta uma garantia menos consolidada e segura para o sistema financeiro
nacional e para os depositantes em si.
Concluindo, da análise daqueles ordenamentos temos a
dizer o seguinte: reconhecendo que mesmo a nível dos outros países existe um
valor limite do sistema de garantia de depósitos, defendemos a ideia de que os
Fundos de Garantia de Depósitos necessitam de alterações profundas no tocante
ao limite de garantia, através da intervenção do Estado junto do FGD, ou seja,
a existência de valores limite de garantia, ainda que mais consolidados
variando de país para país afectam os direitos dos depositantes, o que é
contrário a ideia de segurança do sistema financeiro, destacamos mais uma vez que o problema aqui tem a ver
com o (quantum) valor limite de garantia.
Neste trabalho de fim de curso intitulado “O Papel do
Fundo de Garantia de Depósitos na segurança do Sistema Financeiro- o caso de
Moçambique” foram levantados dois problemas, a saber:
·
Qual é a
constitucionalidade dos 20.000.00 MT fixados como Valor Limite de Garantia do
FGD? Como é tratado o direito a indemnização se o legislador plasmou um Valor
Limite de Garantia para o FGD?
·
Qual a razão da demora
de 5 meses e 19 dias para a publicação do Diploma Ministerial nº. 61/2016 de 21
de Setembro, e o que essa demora poderia implicar?
A resposta encontrada para os problemas levantados,
centrou-se na Constituição da República que apresenta um conjunto de princípios
e direitos que não foram tomados em conta aquando da feitura da legislação
sobre o FGD, falamos em concreto do problema da existência de um valor limite
de garantia. Sobre os direitos que estão em causa em virtude da existência de
um valor limite de garantia, encontrámos o direito a propriedade, o direito a informação tomando
em consideração que o cliente bancário é consumidor, o direito a indemnização (direito este de difícil
efectivação/concretização) e aliado ao facto da segurança das poupanças ser
colocada em causa pelo valor limite de garantia concluimos, que o artigo 7, nº.
1 do Decreto nº. 49/2010 de 11 de Novembro conjugado com o artigo 1 do Diploma
Ministerial nº. 61/2016 de 21 de Setembro são inconstitucionais.
Como solução, recomendamos uma profunda alteração na
legislação no tocante aos limites de garantia e a intervenção do Estado junto
do FGD.
No tocante ao problema da temporalidade do DM nº. 61/2016
de 21 de Setembro, entendemos que deveu-se por questões de interesse das
autoridades competentes.
Relativamente aos objectivos pretendidos com esta
dissertação, julgamos que foi possível compreender o regime jurídico do FGD em
Moçambique, bem como analisar os direitos dos depositantes e isto retiramos dos
dados colhidos na entrevista realizada junto do FGD e do estudo aprofundado da
legislação.
Recomendamos a necessidade de uma profunda reforma da nossa
legislação do FGD no tocante ao valor limite de garantia, isto é, há
necessidade de se reformular o papel do FGD, pois se existe aquele Fundo deve
ser regido por uma legislação que seja adaptável a realidade constitucional
moçambicana e deve também assegurar que os depositantes não fiquem
iremediavelmente prejudicados nas situações de falência dos bancos. Para tal, achamos
que o Estado tem um papel importante em tudo isto, devendo intervir junto do
FGD, accionando todos os mecanismos que possui por forma a reduzir a
insegurança, restituir a confiança dos depositantes no sistema financeiro e evitar
situações de injustiça social.
Recomendamos também uma maior supervisão por parte da autoridade monetária
no que tange ao controlo dos capitais necessários e adequados aos bancos, a
adesão de Moçambique a IADI bem como uma maior divulgação sobre o FGD em
Moçambique.
Doutrina
consultada
CORDEIRO, António Menezes. Manual de Direito Bancário. 4.ªed.
Coimbra: Almedina, 2010.
LEITÃO, Luís Manuel Teles de
Menezes. Direito das Obrigações. 10.ªed.
Coimbra: Almedina, 2015. v.III.
MALEIANE, Adriano. Banca e Finanças: O Essencial sobre o
Sistema Financeiro. Maputo: Índico Editores, 2014.
NUNES, Fernando Conceição. Direito Bancário. Lisboa:
AAFDL,1994.v.1.
PIRES, José Maria. Direito Bancário. Lisboa:Rei dos
Livros,v.2.
WATY,Teodoro Andrade. Direito Bancário. Maputo:WeW Editora, 2011.
WATY,Teodoro Andrade.Cláusulas Contratuais Gerais e banca.Maputo:WeW
Editora, 2004.
Doutrina citada
Legislação
Constituição
da República de Moçambique de 2004, publicada no Boletim da República nº. 51, I
Série, de 22 de Dezembro.
Lei nº. 15/99 de 1 de Novembro
com as alterações da Lei nº. 9/2004 de 21 de Julho, publicada no Boletim da República nº. 29, I Série.
Decreto nº. 56/2004 de 10 de
Dezembro, publicado no Boletim da República nº. 48, I Série.
Lei nº. 1/92 de 3 de Janeiro,
publicada no Boletim da República nº. 1,
I Série.
Decreto nº. 49/2010 de 11 de
Novembro, publicado no Boletim da República nº. 45, I Série.
Diploma Ministerial nº. 61/2016
de 21 de Setembro, publicado no Boletim da República nº. 113, I Série.
Despacho do Banco de Moçambique
de 11 de Novembro de 2016, publicado no Boletim da República nº. 149, I Série.
Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei nº. 47334, de 25 de Novembro de 1966, aplicado em Moçambique por
força da Portaria nº. 22869, de 4 de Setembro de 1967.
LIMA, Pires de e VARELA, Antunes.
Código Civil Anotado. 4.ªed. Coimbra:
Coimbra editora, 2011.
SAMUSSONE,Anselmo.Legislação Bancária de Moçambique Anotada.
Maputo: Escolar Editora, 2013.
Sítios de internet
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Garantia de Depósitos Português. Disponível em www.fgd.pt, acessado a 13.03.2017 pelas 23.30.
Fundo Garantidor de Créditos
Brasileiro. Disponível em www.fgc.org.br, acessado a 14.03.2017 pelas 0.30.
Banco de Moçambique. Disponível
em www.bancomoc.mz, acessado a 14.03.2017, pelas 1.30.
Banco de Portugal. Disponível
em www.bportugal.pt, acessado a 14.03.2017, pelas 2.30.
Banco Central do Brasil.
Disponível em www.bcb.gov.br, acessado a 14.03.2017, pelas 3.30.
https://www.fdic.gov/deposit/covered/notinsured.html,
acessado a 15.03.2017 pelas 15.30.
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acessado a 15.03.2017 pelas 18.25.
http://www.dw.com/pt-002/em-mo%C3%A7ambique-o-nosso-banco-encerrou-as-portas/a-36393038
, acessado a 16.03.2017 pelas 12.30.
http://opais.sapo.mz/index.php/economia/38-economia/42432-banco-de-mocambique-extinguiu-nosso-banco.html
, acessado a 16.03.2017 pelas 13.15.
NUNES, Fernando Conceição. Direito Bancário. Lisboa: AAFDL, 1994.v.1, p.122-151.