sexta-feira, 29 de agosto de 2014





Contrato de trabalho 
- Aspectos Práticos - 

Da admissibilidade da cláusula de não concorrência do trabalhador a produzir efeitos após a cessação do contrato de trabalho
    


      1.  Enquadramento

A questão é muito simples de enunciar: como forma de reacção à crescente mobilidade dos trabalhadores inter-empresas, muitos empregadores optam por fazer constar nos contratos individuais de trabalho ( CIT ) cláusulas de não concorrência cuja aplicação acontece após a cessação do contrato, em determinadas condições e casos. O expediente é particularmente usado em profissões de topo, ou com um pendor fortemente especializado.

Recentemente, deparámo-nos com um caso concreto em que um determinado contrato de trabalho continha a seguinte cláusula : “ Caso o Trabalhador denuncie este contrato durante o período de vigência sem justa causa, obriga-se desde já a não se vincular a qualquer empresa cuja actividade seja concorrencial à do Empregador, por um período de um ano, sob pena de pagar uma indemnização no valor de 15 salários líquidos “(sic).

Ora, o CIT viria mesmo a cessar e a questão acabou discutida em Tribunal, onde o Mº Juíz declarou nula a cláusula, com este raciocínio: “ A denúncia do contrato de trabalho, feita com observância das formalidades legais, não confere nenhum direito de indemnização à entidade empregadora. E nos casos em que confere, nomeadamente quando não tenham sido observadas as formalidades, a indemnização é  que está fixada no nº 2 do art 129 da LT. Tal  Cláusula, ao fixar o dever de indemnizar o empregador em caso de denuncia do contrato de trabalho, tendo a denuncia obedecido a todas as formalidades, é nula, por contrariar, nos termos do nº1 do art 251 da LT, o regime estabelecido  nos nºs 1 e 2 do art 129 da LT, que não pode ser afastado pela vontade das partes. “ (sic).

2. Sequência de exposição : (i) a natureza imperativa do art 129 da LT; (ii) o conteúdo e alcance do art 129 da LT ; (iii) a admissibilidade desta cláusula no Direito de trabalho (DT); (iv) condições ; (v) intervenção legislativa.

São pois estes o pontos que nos  propomos tratar . Vamos a eles:

i.                             As normas de  DT têm  carácter imperativo perceptivo, ou seja, não podem ser afastadas por simples vontade das partes. Mas os Instrumentos de Regulamentação de trabalho, ou o contrato individual de trabalho, podem estatuir conteúdos mais favoráveis para o trabalhador. Daqui resulta o  carácter tendencialmente inderrogável das normas de DT, por simples vontade das partes. E o art 129  da LT não constitui excepção a esta regra ;

ii.                Mas, o art 129 da LT exclui liminarmente a possibilidade de existir uma cláusula de não concorrência ? Desde logo, o art 129 ( que nos dispensamos de reproduzir aqui )  regula prazos de produção de efeitos da cessação do CIT. E, depois, fixa indemnizações por violação desses prazos, as quais são indexadas justamente a esses períodos de pré-aviso ( v. em particular o nº 5 ).

Portanto, inferir do art 129 uma proibição de qualquer outra fonte de responsabilidade é uma conclusão que o nº 2 do art 9 do C.Civil não permite, pois isso seria admitir um pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal

Por outro lado, não se diga que o CIT não pode ser fonte de direito, salvo quando preveja conteúdo mais favoráve: efectivamente, não estamos em presença de um conflito entre a Lei e o CIT, mas sim perante uma lacuna, a integrar nos termos do art 10 do C.Civil.

iii.                     Como integrar então esta lacuna traduzida na ausência de disposição legal que admita, proíba, ou limite a estipulação de uma cláusula de não concorrência ? Na falta de caso análogo  ( nº s 1 e 2 do art 10º do CCivil ), teremos de resolver a situação segundo a norma que o interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema ( nº 3 do art 10 do CCivil ).

Ora e desde logo, no sistema jurídico vigora o princípio da liberdade contratual  ( art 405 do CCivil ) pelo qual as partes são livres de incluir nos contratos as cáausulas que lhes aprouver. Articular este postulado com o DT é simples: ele vigora também no âmbito do DT, com a particularidade de que em algumas ( muitas ) matérias o legislador impõe conteúdos mínimos às estipulações. Mas, dessa peculiaridade do DT não resulta a inadmissibilidade de tudo o que a lei de trabalho não prevê, pois o próprio DT integra-se no sistema jurídico, visto este como um todo, e não constitui um corpo fechado de normas que não se relacionam com as demais normas do sistema jurídico.

Poderia ainda dizer-se que no DT o CIT não é fonte de direito, por não constar da enumeração existente no artº 13 da LT, à semelhança do que sucede com os códigos de boa conduta e regulamentos internos ( art 14º), onde o legislador foi mais longe e declarou isso mesmo. E assim parece efectivamente ser; mas, ao admitir como fonte de direito os usos laborais de cada profissão, sector de actividade ou empresa, desde que não sejam contrários à lei e ao principio da boa fé, o legislador “meteu pela janela o que não deixou entrar pela porta”, como soi dizer-se.

Ora, cláusulas de não concorrência são práticas habituais de muitos empregos e empresas, em particular em relações laborais de maior responsabilidade e como tal têm de ser entendidas como admissíveis no DT. Neste caso, com a particularidade de que o seu conteúdo e alcance são fixados no contrato de trabalho, o qual acaba por funcionar como medida da responsabilidade, apenas e só, e não como fonte dela.

iv.            Como se concluiu, a cláusula de não concorrência constituirá um afloramento do princípio da liberdade contratual existente no sistema jurídico, admissível em DT, pela via dos usos e costumes, mas, na relação individual de trabalho, estará limitada por uma lado, pela lei e por outro lado,  pelo  princípio da boa fé.

Então, a cláusula que suscitou esta análise, parece, desde logo, abusiva e desproporcionada, e como tal, e só por isso, deveria ser declarada nula (como fez o Mº Juiz ainda que por ínvios caminhos ). Repare-se que se estipula “uma vinculação a uma empresa que exerça uma actividade concorrencial ao empregador”, o que significa uma verdadeira e inadmissível renúncia ao exercício da profissão do trabalhador. E, por outro lado, uma desproporção, pois a cláusula penal equivale a 15 salários líquidos. Ou seja, o trabalhador, por força desta cláusula, assumiria a impossibilidade de exercer a sua profissão e aceitava uma penalização totalmente desproporcionada, sem  nada receber em troca.

Quer isto dizer que, a cláusula de não concorrência terá de ter uma previsão normativa mais restritiva (que não coloque o trabalhador perante a impossibilidade de exercer a sua profissão ) e por outro lado, a penalidade tem de ser proporcional ao ganho que o trabalhador terá, por violar a cláusula, se assim o entender.

Outros sistemas legais, por exemplo, admitem expressamente este tipo de cláusulas, desde que o empregador compense o trabalhador durante o período da sua aplicação, com uma parcela  percentual daquela que era a sua remuneração 

O que não faz, de todo, sentido, é aceitar uma vinculação, a este título, a uma situação em que o trabalhador, sem qualquer contrapartida pecuniária, se auto-limite  a  exercer a sua profissão, o que seria sempre inadmissível, e subsumível ao disposto no art 280, nº 2 do CCivil.

E, na falta de disposição legal, diríamos que a cláusula de não concorrência é admissível no DT, desde que dela não resulte a inibição do exercício da profissão do trabalhador; e por outro lado, a mesma terá de ser proporcionada, no sentido que a existência de obrigações, após a vigência do contrato, seja de alguma forma compensada.

E, na falta de outros parâmetros legais mais concretos, a validade de tal cláusula tem de ser vista caso a caso, em substância, e tendo em conta os seus contornos precisos.

v.                    Quer isto dizer, que o legislador pode ( ou deve ) intervir aqui, estatuindo a admissibilidade deste tipo de cláusulas, os seus limites materiais e, sobretudo, as contrapartidas mínimas que justifiquem e tornem aceitável, à luz da boa fé contratual, da ordem pública e dos bons costumes, a existência de obrigações entre trabalhador e empregador após a vigência de uma relação jurídico-laboral. Ou, pelo contrário, proibindo-as, de todo, no exercício do seu jus imperi, de acordo com os valores que julgue ser de salvaguardar. As situações que são deixadas apenas ao escrutínio da doutrina, e depois, à jurisprudência,  podem encontrar respostas díspares, pondo em causa um dos valores fundamentais do Direito: a certeza e segurança jurídica.

Este é, s. m. o., o meu parecer.

por
José Miguel Dias Pereira
Jurista 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Boas vindas

A Associação Nacional dos Juristas Moçambicanos (ANJUR) dá-lhe as boas vindas a este espaço que também é seu.

Pretende-se, assim, dar a oportunidade aos Diplomados em Direito, Associados da ANJUR, qualquer que seja o actual estatuto profissional, de trocarem impressões sobre os diversos aspectos práticos do Direito, de colocarem questões ou de publicarem trabalhos técnico-científicos de que sejam autores.

Ficamos a aguardar e bom trabalho!

Por um Estado de Direito Pleno e Inclusivo!