quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O MECENATO

 Dr. Inocêncio Cumaio, Advogado

1. Aspectos Gerais que Caracterizam o Mecenato na Ordem Jurídica Moçambicana

O termo mecenato surge do nome do Imperador Romano Caio Cílnio Mecenas, que durante o seu reinado defendia a ideia de que o poder necessitava de proteger e financiar a criação artística.
Na actualidade, o mecenato é uma forma de patrocínio às Artes, ao Restauro do Património Cultural, à Educação, à Acção Social, às Letras, ao Desporto e ao Meio Ambiente, através de benefícios fiscais e sociais concedidos pelos estados às pessoas jurídicas, sejam elas singulares ou colectivas.
O mecenato em Moçambique tem a sua consagração legal na Lei n.º 4/94, de 13 de Setembro, e no seu respectivo regulamento. Estes documentos estabelecem os princípios básicos que permitem estender a acção das pessoas jurídicas, singulares, colectivas públicas ou privadas, que desenvolvem actividades lucrativas e que materialmente apoiem no campo das artes, letras, ciências, educação, saúde, meio ambiente, cultura e acção social.
Ao abrigo da lei do mecenato e do seu respectivo regulamento, o apoio material e financeiro feito pelos doadores ou patrocinadores às Artes, Cultura, Ciência, Acção Social, Letras, Educação e Meio Ambiente, reveste a forma jurídica de doação ou liberalidade. Neste sentido, constituem doações no âmbito do mecenato, as transferências de bens, valores, direitos ou assunção de obrigações com caráter gratuito e definitivo, por espirito de liberalidade e sem objectivo de  proselitismo confessional ou partidário.[1]
De referir que o objecto da doação no âmbito do mecenato goza de garantia legal de inalienabilidade e impenhorabilidade sendo livre de quaisquer encargos.[2]
O ordenamento jurídico moçambicano estabelece como destinatários do mecenato, as associações e fundações constituídas ao abrigo da Lei n.° 8/ 91, de 18 de Julho, e as demais entidades publicas ou privadas, singulares ou colectivas, que sem objectivos de proselitismo confessional ou partidário, prosseguem actividades sem fins lucrativos e ou que apoiem os seus membros sem fins lucrativos[3].
Contudo, nos termos da lei e do regulamento do mecenato, as doações não poderão beneficiar directamente à pessoas físicas ou jurídicas vinculadas a pessoa que as pratica, deste modo, as liberalidades não podem beneficiar aos administradores, gerentes, accionistas à data da doação ou nos doze  meses anteriores ou posteriores a liberalidade.[4]
A impossibilidade de benefício das liberalidades ou doações no âmbito do mecenato estende-se aos cônjuges, parentes até ao terceiro grau, afins, dependentes e mais, os sócios não podem beneficiar-se de doações mesmo quanto se trate de outra pessoa jurídica a conceder a liberalidade.[5]
Deste modo, afere-se que o mecenato consiste na concessão de incentivos fiscais e sociais oferecidos pelos Estados às pessoas jurídicas, sejam elas singulares e ou colectivas  que visam patrocinar, através de liberalidades ( doações e patrocínios) ao Restauro do Patrimônio Cultural, à Arte, à Acção Social, ao Meio Ambiente, à Educação, à Saúde  e ao  Desporto.

1.1. Incentivos Fiscais e Sociais Para Efeitos do Mecenato na Ordem Jurídica Moçambicana

O Estado moçambicano confere vantagens ou incentivos de natureza fiscal e social[6] aos doadores, patrocinadores e ou às entidades que pratiquem liberalidades  nos seguintes termos:

1.1.1. Benefícios/incentivos Fiscais

Nos termos da lei do mecenato e do seu respectivo regulamento, tendo em atenção o Código de Imposto sobre Pessoas Colectivas, o doador poderá deduzir como custo ou perda do exercício para efeitos da determinação da matéria colectável os montantes doados[7], não pagando, assim, sobre eles, IRPC.
É de esclarecer que, para efeitos da incidência do IRPC ( imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas), são considerados custos ou perdas do exercício, os donativos em dinheiro ou em espécie, concedidos pelos contribuintes até ao limite de 5% (cinco porcento) da matéria colectável do ano anterior, se as entidades beneficiárias forem associações, fundações constituídas nos termos da lei e no regulamento da lei das associações, e demais entidades públicas, privadas, singulares e/ou colectivas que sem fins de proselitismo confessional ou partidário desenvolvam actividades sem fins lucrativos. Contudo, se o beneficiário da doação for o Estado, a lei não impõe o limite de 5% para efeitos de dedução como custo ou perda à matéria colectável para efeitos do IRPC[8].


Vejamos o processamento do facto acima exposto com base nos exemplos a seguir:

1.      A empresa X tem o saldo contabilístico anual de 5.000.000, 00 Mts (cinco milhões de meticais), desse valor, cobre as despesas anuais no valor de 2.500.000, 00Mts (dois milhões e quinhentos mil meticais) e doa ou patrocina a uma fundação ou associação o montante de 125,000, 00Mts (cento e vinte e cinco mil maticais) correspondente aos 5% (cinco por cento) do valor liquido remanescente, neste caso, os 5% (cinco por cento) serão deduzidos como custo ou despesa, logo, a matéria colectável será de 2.375,000 00Mts (dois milhões, trezentos e setenta e cinco  mil maticais), sobre a qual incidiram os 32% correspondentes ao IRPC, deste modo, o IRPC da empresa será de 760,000,00 Mts (setecentos e sessenta mil meticais).
De salientar que, este benefício fiscal não impede o benefício social na forma de publicitação das actividades desenvolvidas pelo patrocinador ou doador, acto que possa concorrer para a redução dos custos relativos ao marketing e também, poderá a empresa, ser ilegível e com vantagens comparativas para efeitos de concurso público.
E mais,  estes incentivos podem ser adquiridos de forma comulativa pela empresa que pratica as liberalidades previstas na Lei do Mecenato.

2.      Caso a empresa não doe, tendo o mesmo saldo contabilístico, os mesmos custos e o mesmo lucro, sem beneficio dos 5%  deduzido como custo, para efeitos de incidencia do IRPC, irá pagar o IRPC de 800,000,00 Mts (oitocentos mil meticais) que incidirão dos 2.500.000.00Mts (dois milhões e quinhentos mil meticais) da materia colectavel ou lucro.

De referir que, as empresas que não praticam liberalidades no ambito da Lei do Mecenato, não  se beneficiam de nenhum incentivo fiscal ou social, o que irá acrescer os custos relativos ao marketing do seu produto e, não se beneficiarão das vantagens no âmbito da contratação pública  dos serviços privados que uma empresa que pratica liberalidades no âmbito da Lei do Mecenato se beneficia.

1.1.2. Dos Procedimentos

As liberalidades praticadas (doações e patrocínios) serão comunicadas por escrito ao beneficiário e às entidades governamentais  que tutelam as áreas em questão, podendo, contudo, as entidades referidas  mandar certificar a conformidade da liberalidade[9].
Os beneficiários devem igualmente comunicar ao Ministro das Finanças e ou Direções Provinciais das respectivas áreas,  os bens ou valores recebidos  para efeitos de confirmação dos benefícios fiscais a conceder aos beneméritos.[10]
A entrega das liberalidades deverá ser feita com a presença obrigatória de um representante da entidade governamental que tutela a área beneficiada que por sua vez, rubricará o termo de entrega.[11].
De salientar que, os beneméritos só terão direito aos benefícios fiscais se declararem expressamente que a liberalidade ( doação e Patrocínio) é  irreversível.[12]

1.1.3. Tratamento Fiscal das Pessoas Jurídicas Constituídas e com domicilio no Estrangeiro  que queriam praticar alguma liberalidade no âmbito do Mecenato

A lei moçambicana não se refere aos benefícios fiscais que uma entidade estrangeira possa ter ao conceder uma liberalidade ( doação e patrocínio) a um ente constituído e com domicilio em Moçambique, cabendo à mesma, verificar se as disposições que regulam o mecenato no seu território  nacional  prevê ou não algum incentivo fiscal aplicável no âmbito do mecenato.

1.1.4. Quanto as ONGs Estrangeiras Sem Domicilio e com Domicilio em Moçambique.

A ordem jurídica moçambicana não imputa em regra o IRPC a ONG´s, limitando-se a conceder autorização prévia ao exercício de actividades, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, e a exigir o seu registo, na Autoridade Tributária. 
Deste modo, as ONGs, sejam elas nacionais ou estrangeiras não são sujeitos do IRPC. Assim sendo, as liberalidades que praticam no âmbito do mecenato, não estarão sujeitas aos parâmetros aplicáveis aos demais sujeitos passivos de IRPC .
Quanto ás  entidade beneficiarias, á partida e previsivelmente, elas próprias não são sujeitas a IRPC ou IRPS, não incidindo nenhum imposto sobre o bem ou valor recebido no âmbito do mecenato.

2. Benefício Social

Ao abrigo da lei e do regulamento do mecenato, as entidades que praticam liberalidades beneficiam-se de incentivos sociais, nomeadamente: menções honrosas, diplomas de mérito, publicitação de tais actos nos órgãos de informação pelos beneméritos, realização de espectáculos culturais e desportivos gratuitos destinados aos beneméritos[13].

Estes incentivos, certamente conferem vantagens comparativas às empresas que praticam as liberalidades no âmbito da lei do mecenato relativamente às empresas que não praticam liberalidades no âmbito da mesma lei.

Quantos as entidades nacionais e estrangeiras, podem beneficiar de incentivos sociais no âmbito da lei do mecenato. Os referidos benefícios, serão extensivos às Organizações Não Governamentais, sejam elas nacionais e /ou estrangeiras.

3. Conclusões

Notou-se claramente que o IRPC da empresa que pratica liberalidades é relativamente reduzido que o IRPC da empresa que nada doa ou não pratica nenhuma liberalidade, e mais, além dos beneficio fiscal, as empresa que doam, gozam de incentivos sócias, por exemplo, podem ver as suas actividades publicitadas pelos beneficiarios sem que incorram a nenhum custo, podem ganhar diplomas de honra o que lhes pode garantir o caracter  preferencial no âmbito da contratação publica dos  serviços privados.
Verificou-se que, tratando de um ente estrangeiro sem sede em Moçambique, a conceder alguma liberalidade a um ente devidamente constituído em Moçambique, a lei moçambicana não estabelece naturalmente nenhum incentivo fiscal no âmbito da lei do mecenato, contudo, o ente estrangeiro poderá eventualmente beneficiar-se, no País da sua sede, caso haja previsão nesse sentido.

Legislação Aplicável ao Mecenato


·         Lei n.º 4/94, de 13 de Setembro, (Lei do Mecenato) que estabelece os princípios básicos que permitem estender a acção das pessoas jurídicas singulares, colectivas públicas ou privadas, que desenvolvem actividades ou financeiras e materialmente as apoiem no campo das artes, letras, ciências, cultura e acção social;
·         Decreto n.º 29/ 98, de 9 de Junho, aprova o Regulamento da Lei n.º 4/ 94, de 13 de Setembro (Lei do Mecenato);
·         Lei n.º 15/ 2002, de 26 de Junho, que Estabelece os Princípios de Organização do Sistema Tributário.
·         Lei n.º 34/2007, de 31 de Dezembro, aprova o Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas.
Lei n.º 8/ 91, de 18 de Julho, Lei das Associações.
·         Decreto n.º 55/98, de 13 de Outubro, Cria o Quadro Legal que Define os Critérios da Autorização, Objectivos a Atingir e Mecanismos da Actuação das Organizações Não Governamentais Estrangeiras.





[1] Artigo 2 do Regulamento da Lei do Mecenato.
[2]  N.° 2 do artigo 7 do Regulamento da Lei do Mecenato.
[3] Artigo 8 da Lei do Mecenato.
[4] Artigo 7 do regulamento da Lei do Mecenato.
[5] Idem.
[6]Artigo 8 do Regulamento da Lei 4/94, de 13 de Setembro ( Lei do Mecenato)
[7]Artigo 8 da Lei do Mecenato, conjugado com o artigo 8 ,9 e 10 do seu Regulamento com atenção ao disposto  no artigo 34º do Codigo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
[8]Artigo 6,7,8 da Lei do Mecenato conjugado com os artigos 10  do Regumento da Lei do Mecenato, com atenção no previsto pelo artº 35 do Codigo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
[9]Artigo 5 do Regulamento da Lei do Mecenato
[10] Idem.
[11] Idem b.
[12]N.° 3 artigo 9 do Regulamento da Lei do Mecenato.
[13]Artigo 9 do Regulamento da Lei do Mecenato

sexta-feira, 29 de agosto de 2014





Contrato de trabalho 
- Aspectos Práticos - 

Da admissibilidade da cláusula de não concorrência do trabalhador a produzir efeitos após a cessação do contrato de trabalho
    


      1.  Enquadramento

A questão é muito simples de enunciar: como forma de reacção à crescente mobilidade dos trabalhadores inter-empresas, muitos empregadores optam por fazer constar nos contratos individuais de trabalho ( CIT ) cláusulas de não concorrência cuja aplicação acontece após a cessação do contrato, em determinadas condições e casos. O expediente é particularmente usado em profissões de topo, ou com um pendor fortemente especializado.

Recentemente, deparámo-nos com um caso concreto em que um determinado contrato de trabalho continha a seguinte cláusula : “ Caso o Trabalhador denuncie este contrato durante o período de vigência sem justa causa, obriga-se desde já a não se vincular a qualquer empresa cuja actividade seja concorrencial à do Empregador, por um período de um ano, sob pena de pagar uma indemnização no valor de 15 salários líquidos “(sic).

Ora, o CIT viria mesmo a cessar e a questão acabou discutida em Tribunal, onde o Mº Juíz declarou nula a cláusula, com este raciocínio: “ A denúncia do contrato de trabalho, feita com observância das formalidades legais, não confere nenhum direito de indemnização à entidade empregadora. E nos casos em que confere, nomeadamente quando não tenham sido observadas as formalidades, a indemnização é  que está fixada no nº 2 do art 129 da LT. Tal  Cláusula, ao fixar o dever de indemnizar o empregador em caso de denuncia do contrato de trabalho, tendo a denuncia obedecido a todas as formalidades, é nula, por contrariar, nos termos do nº1 do art 251 da LT, o regime estabelecido  nos nºs 1 e 2 do art 129 da LT, que não pode ser afastado pela vontade das partes. “ (sic).

2. Sequência de exposição : (i) a natureza imperativa do art 129 da LT; (ii) o conteúdo e alcance do art 129 da LT ; (iii) a admissibilidade desta cláusula no Direito de trabalho (DT); (iv) condições ; (v) intervenção legislativa.

São pois estes o pontos que nos  propomos tratar . Vamos a eles:

i.                             As normas de  DT têm  carácter imperativo perceptivo, ou seja, não podem ser afastadas por simples vontade das partes. Mas os Instrumentos de Regulamentação de trabalho, ou o contrato individual de trabalho, podem estatuir conteúdos mais favoráveis para o trabalhador. Daqui resulta o  carácter tendencialmente inderrogável das normas de DT, por simples vontade das partes. E o art 129  da LT não constitui excepção a esta regra ;

ii.                Mas, o art 129 da LT exclui liminarmente a possibilidade de existir uma cláusula de não concorrência ? Desde logo, o art 129 ( que nos dispensamos de reproduzir aqui )  regula prazos de produção de efeitos da cessação do CIT. E, depois, fixa indemnizações por violação desses prazos, as quais são indexadas justamente a esses períodos de pré-aviso ( v. em particular o nº 5 ).

Portanto, inferir do art 129 uma proibição de qualquer outra fonte de responsabilidade é uma conclusão que o nº 2 do art 9 do C.Civil não permite, pois isso seria admitir um pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal

Por outro lado, não se diga que o CIT não pode ser fonte de direito, salvo quando preveja conteúdo mais favoráve: efectivamente, não estamos em presença de um conflito entre a Lei e o CIT, mas sim perante uma lacuna, a integrar nos termos do art 10 do C.Civil.

iii.                     Como integrar então esta lacuna traduzida na ausência de disposição legal que admita, proíba, ou limite a estipulação de uma cláusula de não concorrência ? Na falta de caso análogo  ( nº s 1 e 2 do art 10º do CCivil ), teremos de resolver a situação segundo a norma que o interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema ( nº 3 do art 10 do CCivil ).

Ora e desde logo, no sistema jurídico vigora o princípio da liberdade contratual  ( art 405 do CCivil ) pelo qual as partes são livres de incluir nos contratos as cáausulas que lhes aprouver. Articular este postulado com o DT é simples: ele vigora também no âmbito do DT, com a particularidade de que em algumas ( muitas ) matérias o legislador impõe conteúdos mínimos às estipulações. Mas, dessa peculiaridade do DT não resulta a inadmissibilidade de tudo o que a lei de trabalho não prevê, pois o próprio DT integra-se no sistema jurídico, visto este como um todo, e não constitui um corpo fechado de normas que não se relacionam com as demais normas do sistema jurídico.

Poderia ainda dizer-se que no DT o CIT não é fonte de direito, por não constar da enumeração existente no artº 13 da LT, à semelhança do que sucede com os códigos de boa conduta e regulamentos internos ( art 14º), onde o legislador foi mais longe e declarou isso mesmo. E assim parece efectivamente ser; mas, ao admitir como fonte de direito os usos laborais de cada profissão, sector de actividade ou empresa, desde que não sejam contrários à lei e ao principio da boa fé, o legislador “meteu pela janela o que não deixou entrar pela porta”, como soi dizer-se.

Ora, cláusulas de não concorrência são práticas habituais de muitos empregos e empresas, em particular em relações laborais de maior responsabilidade e como tal têm de ser entendidas como admissíveis no DT. Neste caso, com a particularidade de que o seu conteúdo e alcance são fixados no contrato de trabalho, o qual acaba por funcionar como medida da responsabilidade, apenas e só, e não como fonte dela.

iv.            Como se concluiu, a cláusula de não concorrência constituirá um afloramento do princípio da liberdade contratual existente no sistema jurídico, admissível em DT, pela via dos usos e costumes, mas, na relação individual de trabalho, estará limitada por uma lado, pela lei e por outro lado,  pelo  princípio da boa fé.

Então, a cláusula que suscitou esta análise, parece, desde logo, abusiva e desproporcionada, e como tal, e só por isso, deveria ser declarada nula (como fez o Mº Juiz ainda que por ínvios caminhos ). Repare-se que se estipula “uma vinculação a uma empresa que exerça uma actividade concorrencial ao empregador”, o que significa uma verdadeira e inadmissível renúncia ao exercício da profissão do trabalhador. E, por outro lado, uma desproporção, pois a cláusula penal equivale a 15 salários líquidos. Ou seja, o trabalhador, por força desta cláusula, assumiria a impossibilidade de exercer a sua profissão e aceitava uma penalização totalmente desproporcionada, sem  nada receber em troca.

Quer isto dizer que, a cláusula de não concorrência terá de ter uma previsão normativa mais restritiva (que não coloque o trabalhador perante a impossibilidade de exercer a sua profissão ) e por outro lado, a penalidade tem de ser proporcional ao ganho que o trabalhador terá, por violar a cláusula, se assim o entender.

Outros sistemas legais, por exemplo, admitem expressamente este tipo de cláusulas, desde que o empregador compense o trabalhador durante o período da sua aplicação, com uma parcela  percentual daquela que era a sua remuneração 

O que não faz, de todo, sentido, é aceitar uma vinculação, a este título, a uma situação em que o trabalhador, sem qualquer contrapartida pecuniária, se auto-limite  a  exercer a sua profissão, o que seria sempre inadmissível, e subsumível ao disposto no art 280, nº 2 do CCivil.

E, na falta de disposição legal, diríamos que a cláusula de não concorrência é admissível no DT, desde que dela não resulte a inibição do exercício da profissão do trabalhador; e por outro lado, a mesma terá de ser proporcionada, no sentido que a existência de obrigações, após a vigência do contrato, seja de alguma forma compensada.

E, na falta de outros parâmetros legais mais concretos, a validade de tal cláusula tem de ser vista caso a caso, em substância, e tendo em conta os seus contornos precisos.

v.                    Quer isto dizer, que o legislador pode ( ou deve ) intervir aqui, estatuindo a admissibilidade deste tipo de cláusulas, os seus limites materiais e, sobretudo, as contrapartidas mínimas que justifiquem e tornem aceitável, à luz da boa fé contratual, da ordem pública e dos bons costumes, a existência de obrigações entre trabalhador e empregador após a vigência de uma relação jurídico-laboral. Ou, pelo contrário, proibindo-as, de todo, no exercício do seu jus imperi, de acordo com os valores que julgue ser de salvaguardar. As situações que são deixadas apenas ao escrutínio da doutrina, e depois, à jurisprudência,  podem encontrar respostas díspares, pondo em causa um dos valores fundamentais do Direito: a certeza e segurança jurídica.

Este é, s. m. o., o meu parecer.

por
José Miguel Dias Pereira
Jurista 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Boas vindas

A Associação Nacional dos Juristas Moçambicanos (ANJUR) dá-lhe as boas vindas a este espaço que também é seu.

Pretende-se, assim, dar a oportunidade aos Diplomados em Direito, Associados da ANJUR, qualquer que seja o actual estatuto profissional, de trocarem impressões sobre os diversos aspectos práticos do Direito, de colocarem questões ou de publicarem trabalhos técnico-científicos de que sejam autores.

Ficamos a aguardar e bom trabalho!

Por um Estado de Direito Pleno e Inclusivo!